SBH

SBH Comenta


Carvedilol: qual melhor dose a ser utilizada na profilaxia primária ?


Artigo Comentado: Carvedilol for reducing portal pressure in primary prophylaxis of variceal bleeding: a dose-response study. Schwarzer R, Kivaranovic D, Paternostro R, Mandorfer M1, Reiberger T1, Trauner M, Peck-Radosavljevic M, Ferlitsch A. Aliment Pharmacol Ther. 2018 Apr;47(8):1162-1169.

Angelo Alves de Mattos
Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia e do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).


Quando avaliamos o impacto das doenças hepáticas no Brasil, ao analisarmos 850.000 hospitalizações e 300.000 óbitos, observamos que as doenças do fígado ocupam o oitavo lugar no ranking de mortalidade em nosso País. A principal causa de hospitalização e de óbito por doenças hepáticas é a cirrose (1).

Dentro desse contexto, é importante que se saliente o fato de que as varizes gastroesofágicas estão presentes em até 50% dos pacientes com diagnóstico de cirrose, sendo mais frequente quando a doença está descompensada. O risco anual de sangramento é superior a 10% e a mortalidade atual de cada sangramento é em média de 15-20%(2).

Ao avaliarmos uma coorte de pacientes com cirrose em nível ambulatorial, o sangramento decorrente da ruptura de varizes foi a segunda complicação mais frequente na apresentação, sendo que 16% dos pacientes já tinham apresentado hemorragia digestiva alta (HDA) na primeira consulta (26% quando a etiologia da hepatopatia era o álcool) (3).

Com o intuito de evitar o sangramento, se torna mister a realização da profilaxia primária da HDA por ruptura de varizes. O uso de β-bloqueadores pode ser indicado em pacientes com varizes pequenas, principalmente quando forem observadas manchas vermelhas nas mesmas ou quando estivermos frente a uma doença hepática avançada. Ressalte-se ser fundamental a sua utilização em pacientes com varizes médias/calibrosas. Nesta situação é discutido o papel da ligadura elástica, havendo autores que preconizam seu uso em detrimento da terapia farmacológica. No entanto, esta é uma conduta, a nosso ver, controversa.

Os resultados dos estudos prospectivos e randomizados são díspares e, embora as metanálises a respeito possam, a princípio, sugerir ser a ligadura um procedimento mais eficaz, esta conduta não resiste a uma análise mais aprofundada da metodologia empregada (4). A despeito de, até o presente, não haver uma conduta definitiva, somos partidários da profilaxia farmacológica. Ficaria, então, a ligadura destinada aos pacientes com contraindicações aos β-bloqueadores ou àqueles que apresentassem efeitos colaterais quando de seu uso.

Em termos de profilaxia primária, ainda é importante que se destaque o papel do carvedilol. Este fármaco é um β-bloqueador não seletivo com propriedades vasodilatadoras por bloqueio α1, sendo mais efetivo em diminuir a pressão no sistema porta do que o propranolol a despeito de não haver estudo head to head comparando a eficácia das duas drogas em um desfecho mais definitivo. Um estudo multicêntrico e randomizado ao avaliar a eficácia do carvedilol e do propranolol na redução da pressão portal não demonstrou vantagens salvo em pacientes com doença mais avançada (MELD≥15) a despeito de uma maior incidência de efeitos adversos (5). Revisões sistemáticas e metanálises, embora favoreçam o carvedilol, apresentam baixa qualidade de evidências (6,7). Também há controvérsias se seria mais eficaz que a ligadura (8,9). De qualquer forma pode ser considerado uma opção a ser utilizada em pacientes de risco.

No último consenso de Baveno (10), bem como nas sugestões advindas da AASLD (11), o carvedilol é considerado droga de primeira linha. O update em relação ao sangramento de varizes realizado pela SBH (12) também coloca em destaque o papel do carvedilol na profilaxia primária. Recentemente o Grupo de Viena, capitaneado por Schwarzer publicou um estudo no Aliment Pharmacol Ther (13) enfatizando o papel da dose do carvedilol na redução da pressão portal. A despeito de ser um estudo retrospectivo, com discrepância em alguns dados apresentados e de certa forma ter o mesmo viés no desenho metodológico de um estudo publicado pelo mesmo grupo em 2013 (14), avaliando naquela ocasião pacientes não respondedores ao propranolol, não deixa de ser um estudo interessante pois avalia os níveis pressóricos da população estudado com o gradiente de pressão venosa hepática (GPVH).


No estudo em foco, após determinação do GPVH basal, foi administrado carvedilol na dose de 6,25 mg/d sendo a resposta (diminuição ≥20% ou ≤12 mm Hg) mensurada em 3-4 semanas. Nos casos de não resposta a dose da medicação foi aumentada para 12,5 mg/d e feita uma terceira determinação do GPVH. Dos 72 pacientes incluídos, 28 (39%) responderam a primeira intervenção; houve uma perda de 10 pacientes (não aceitaram realizar uma terceira determinação do GPVH ou apresentaram efeitos adversos que impediram o aumento da dose) e 10 pacientes (14%) responderam a dose de 12,5 mg/d. Quando considerada resposta uma diminuição do GPVH ≥10% ou ≤12 mm Hg (Baveno VI), por óbvio que seja, os resultados foram melhores. Como esperado, aqueles pacientes com ascite toleraram menos o aumento da dose do carvedilol. Concluem os autores que a dose de 12,5 mg/d é mais efetiva que a dose de 6,25mg/d.


A despeito da ilação feita, a recomendação deve ser vista com cautela pois a maior parte dos pacientes respondeu a 6,25 mg e o desenho metodológico deste estudo não permite uma conclusão mais definitiva. Enquanto estudos mais robustos e de melhor desenho metodológico (randomizados e controlados) não forem realizados acreditamos que o mais correto seria considerar que somente uma parcela dos pacientes se beneficiaria com uma dose plena (12,5mg/d) do medicamento na profilaxia primária. No entanto, do ponto de vista clínico, e este estudo também confirma esta premissa, a determinação da pressão arterial e da frequência cardíaca não são preditoras de uma queda do GPVH. Logo, assistencialmente, devemos seguir as diretrizes da SBH (12), ou seja, que o medicamento seja iniciado em doses de 3,125mg duas vezes ao dia (administrado por via oral) sendo aumentada a 6.25mg duas vezes ao dia, a não ser que efeitos adversos se façam presentes.


É enfatizado que a dose não deve ser aumentada ulteriormente, salvo na presença de hipertensão arterial. Por outro lado, a dose deve ser diminuída ou o tratamento interrompido na presença que uma pressão sistólica abaixo de 90 mmHg. Pelo fato do medicamento baixar a pressão sistólica, devemos ser cautelosos nos pacientes com ascite, devendo seu uso ser evitado naqueles pacientes com ascite refratária.

Bibliografia recomendada:

1) Nader LA, de Mattos AA, Bastos GA. Burden of liver disease in Brazil. Liver Int. 2014; 34:884-9.
2) Brunner F, Berzigotti A, Bosch J. Prevention and treatment of variceal haemorrhage in 2017. Liver Int 2017; 37:104-115.
3) John JA, de Mattos AA, da Silva Miozzo SA, Comerlato PH, Porto M, Contiero P, da Silva RR. Survival and risk factors related to death in outpatients with cirrhosis treated in a clinic in Southern Brazil. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2015;27:1372-7.
4) Gluud & Krag. Banding ligation versus beta-blockers for primary prevention in oesophageal varices in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2012 Aug 15;(8):CD004544. doi: 10.1002/14651858.CD004544.pub2.
5) Kim SG, Kim TY, Sohn JH, Um SH, Seo YS, Baik SK, Kim MY, Jang JY, Jeong SW, Lee B, Kim YS, Suk KT, Kim DJ. A Randomized, Multi-Center, Open-Label Study to Evaluate the Efficacy of Carvedilol vs. Propranolol to Reduce Portal Pressure in Patients With Liver Cirrhosis. Am J Gastroenterol. 2016;111:1582-1590
6) Sinagra E1, Perricone G, D'Amico M, Tinè F, D'Amico G. Systematic review with meta-analysis: the haemodynamic effects of carvedilol compared with propranolol for portal hypertension in cirrhosis. Aliment Pharmacol Ther. 2014; 39:557-68.
7). Li T1, Ke W1, Sun P1, Chen X1, Belgaumkar A2, Huang Y1, Xian W3, Li J1, Zheng Q1. Carvedilol for portal hypertension in cirrhosis: systematic review with meta-analysis.BMJ Open. 2016 4; 6(5):e010902. doi: 10.1136/bmjopen-2015-010902.
8)Tripathi D1, Ferguson JW, Kochar N, Leithead JA, Therapondos G, McAvoy NC, Stanley AJ, Forrest EH, Hislop WS, Mills PR, Hayes PC. Randomized controlled trial of carvedilol versus variceal band ligation for the prevention of the first variceal bleed. Hepatology. 2009; 50:825-33.
9) Shah HA, Azam Z, Rauf J, Abid S, Hamid S, Jafri W, Khalid A, Ismail FW, Parkash O, Subhan A, Munir SM. Carvedilol vs. esophageal variceal band ligation in the primary prophylaxis of variceal hemorrhage: a multicentre randomized controlled trial. J Hepatol. 2014; 60:757-64.
10) Franchis R., Expanding consensus in portal hypertension: Report of the Baveno VI Consensus Workshop: Stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. J Hepatol 2015; 63:743-52.
11) Garcia-Tsao G, Abraldes JG, Berzigotti A, Bosch J. Portal hypertensive bleeding in cirrhosis: Risk stratification, diagnosis, and management: 2016 practice guidance by the American Association for the study of liver diseases. Hepatology 2017; 65:310-335.
12) Bittencourt PL, Strauss E, Farias AQ, Mattos AA, Lopes EP. Variceal bleeding: update of recommendations from the Brazilian Association of Hepatology. Arq Gastroenterol. 2017; 54:349-355.
13) Schwarzer R, Kivaranovic D, Paternostro R, Mandorfer M, Reiberger T, Trauner M, Peck-Radosavljevic M, Ferlitsch A. Carvedilol for reducing portal pressure in primary prophylaxis of variceal bleeding: a dose-response study. Aliment Pharmacol Ther. 2018; 47:1162-1169.
14) Reiberger T, Ulbrich G, Ferlitsch A, Payer BA, Schwabl P, Pinter M, Heinisch BB, Trauner M, Kramer L, Peck-Radosavljevic M; Vienna Hepatic Hemodynamic Lab. Carvedilol for primary prophylaxis of variceal bleeding in cirrhotic patients with haemodynamic non-response to propranolol. Gut. 2013; 62:1634-41.

< voltar