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“National Experience on Down-Staging of Hepatocellular Carcinoma Before Liver Transplant: Influence of Tumor Burden, Alpha-Fetoprotein, and Wait Time”


National Experience on Down-Staging of Hepatocellular Carcinoma Before Liver Transplant: Influence of Tumor Burden, Alpha-Fetoprotein, and Wait Time.

Neil Mehta, Jennifer L. Dodge, Joshua D. Grab, Francis Y. Yao.
Hepatology. 2019 Jul 25. doi: 10.1002/hep.30879.

Ler artigo na íntegra.


Comentários: Dr. Alfeu Fleck


Trata-se de um importante estudo publicado no Hepatology pelo Serviço de Gastroenterologia e Transplante Hepático da Universidade da Califórnia, São Francisco (UCSF)-EUA, grupo este com outras importantes contribuições sobre tratamento do carcinoma hepatocelular (CHC), especialmente o transplante hepático (TxH).


O principal objetivo desse estudo foi comparar a sobrevida de 3 coortes de pacientes com CHC submetidos a TxH. Grupo 1: pacientes candidatos a TxH dentro dos critérios de Milão (grupo Milão); grupo 2: pacientes candidatos a TxH inicialmente fora dos critérios de Milão, porém dentro dos critérios de São Francisco (1 nódulo > 5 cm e < 8 cm, 2 ou 3 nódulos < 5 cm cada, 4 ou 5 nódulos < 3 cm cada, com um diâmetro total < 8 cm) submetidos a tratamento locorregional e que entraram no critério de Milão antes do TxH (down-staging - grupo UCSF-DS) e grupo 3: pacientes candidatos a TxH, inicialmente além dos critérios de São Francisco, submetidos a tratamento locorregional e que entraram nos critérios de Milão antes do TxH (grupo AC-DS). Também compararam a recorrência do CHC nos 3 grupos, o impacto das diferenças do tempo de espera em lista no resultado pós-TxH do down-staging, assim como avaliar possíveis fatores pré-TxH preditivos de sobrevida e recorrência do CHC pós-TxH. Para tal os autores utilizaram a base de dados da United Network for Organ Sharing (UNOS) dos EUA.


Como justificativa para a realização do estudo os autores destacam que há mais de 2 décadas o critério de Milão vem sendo utilizado na seleção de pacientes com CHC candidatos ao TxH. Com o aumento cada vez maior da incidência de CHC, já sendo a principal indicação de TxH nos EUA, torna-se um desafio atender essa crescente demanda, expandindo as indicações porém com resultados aceitáveis. Vários estudos têm demonstrado que não apenas o volume tumoral mas sua combinação com os níveis de alfafetoproteína (AFP) pode discriminar melhor o prognóstico pós-TxH (1-3). Outro marcador prognóstico que tem sido descrito é a resposta à terapia locorregional antes do TxH (4-8). Há evidências sugerindo que pacientes que apresentam progressão do CHC pós-tratamento locorregional tem pior prognóstico do que aqueles que respondem ou estabilizam a doença após o tratamento (5-8).


Assim, o racional do down-staging é selecionar um subgrupo de pacientes com biologia tumoral favorável e prognóstico pela resposta ao tratamento locorregional (9). Mais do que simplesmente aumentar o limite do volume tumoral, o down-staging combina critério expandido com resposta a terapia locorregional. Até o presente momento, a maioria dos estudos de down-staging é limitada pelo pequeno número de pacientes, relativamente curto follow-up e falta de critérios definidos para down-staging (9-10). Na última série publicada pela UCSF, avaliando critérios expandidos e down-staging, entrando nos critérios de Milão após tratamento locorregional, demonstrou-se baixa recorrência do CHC pós-TxH e resultados semelhantes aos atingidos com critérios de Milão na apresentação (11).


Com base nesses achados e como forma de padronização, a UNOS adotou em 2017 o critério da UCSF para down-staging como política nacional de priorização, desde que o paciente entre nos critérios de Milão para receber pontuação especial na lista para TxH (11). Antes disso, muitos centros tinham seus próprios critérios, porém sem padronização. Isso ofereceu a oportunidade dos autores avaliarem e compararem a experiência nacional com down-staging em termos de resultado, desde os mais liberais até os mais restritos. Controvérsias persistiam até o momento com relação ao volume limite tumoral inicial que impactaria em termos prognósticos pós-TxH.


Foi avaliada uma coorte de 3819 pacientes, 86% dentro dos critérios de Milão, 11% dentro dos critérios de UCSF e 3% além dos critérios da UCSF. A maioria (62%) era composta por pacientes com cirrose por VHC. Chama atenção que os níveis de AFP foram significativamente mais elevados no grupo dentro dos critérios de Milão. Analisando o explante, 14% dos pacientes supostamente dentro dos critérios de Milão, na realidade o excediam. O mesmo ocorreu com 32% do grupo UCSF-DS e com 40% do grupo AC-DS. Já a invasão vascular no explante foi observada em 14% do grupo Milão, 17% no grupo UCSF-DS e 24% no AC-DS. Um dado interessante observado foi que o aumento comparativo do volume tumoral no último exame de imagem antes do TxH (apesar de estar nos critérios de Milão) associou-se com achados fora do critério de Milão na análise do explante.


A sobrevida observada em 3 anos foi similar no grupo Milão (83%) e no grupo UCSF-DS (79%), p=NS. Em contraste, a sobrevida do grupo AC-DS foi significativamente menor (71%). Os achados desta, que é a maior base de dados realizada até o momento, sem dúvida, validam e suportam a utilização do critério UCSF-DS adotado pela UNOS desde 2017. Um dado interessante a ser destacado é que nas regiões onde o tempo de espera em lista foi maior a sobrevida também foi significativamente maior no grupo UCSF-DS.


Houve maior sobrevida em 3 anos (92%) nas regiões com tempo de espera médio em lista de 12 meses, comparado a 73% com tempo de espera médio de 6 meses e 79% no tempo de espera médio de 3 meses. Entre pacientes do grupo Milão não foi observada diferença de sobrevida de acordo com tempo de espera de cada região. Estudo prévio multicêntrico do mesmo grupo já havia demonstrado que um tempo mínimo de observação de 3 meses era necessário para comprovar estabilidade de doença antes do TxH.12 Como já demonstrado na literatura, atingir o critério de Milão antes do TxH e observar a doença por 3-6 meses são fundamentais para minimizar o risco de recorrência. Porém, o presente estudo demonstra que um tempo maior de observação possa ser mais adequado para selecionar melhor candidatos a TxH após o down-staging.


Chama atenção a baixa recorrência global do CHC pós-TxH (5%), sendo que a probabilidade de recorrência pela curva de Kaplan-Meier aos 3 anos pós-TxH foi de 7% no grupo Milão, 13% no grupo UCSF-DS e 17% no grupo AC-DS (p<0.001). Analisando os fatores preditivos de desfecho pós-TxH nos pacientes inicialmente fora dos critérios de Milão, houve pior sobrevida no grupo com AFP > 100 ng/mL no momento do TxH (60% em 3 anos) e em regiões onde o tempo de espera em lista foi menor ou intermediário. A probabilidade de recorrência em 3 anos foi 12,7% nos pacientes com AFP < 100 ng/mL versus mais que o dobro (26%) naqueles com AFP > 100 ng/mL.


Estudos publicados anteriormente já haviam demonstrado pior prognóstico dos pacientes com níveis mais elevados de AFP.2 No entanto os mesmos foram incapazes de identificar preditores de recorrência do CHC pós-TxH em função do número relativamente pequeno de pacientes avaliados. No presente estudo foram avaliados mais de 500 pacientes após down-staging permitindo uma robusta análise dos fatores associados à recorrência do CHC pós-TxH, redefinindo critérios de seleção. Assim, a evolução da AFP e o tamanho do tumor podem auxiliar na definição de casos que necessitem tratamento locorregional adicional, uma vez que a redução do volume tumoral, assim como a redução da AFP, irão impactar em melhor resultado pós-TxH.

 

O escore RETREAT (Risk Estimation of Tumor Recurrence After Transplant), já previamente validado em pacientes dentro dos critérios de Milão em predizer recorrência do CHC, também foi validado no presente estudo nos casos down-staging.13,14 Escores mais elevados associaram-se não só a maior recorrência como também a piora da sobrevida (escore 0 = 90% de sobrevida em 3 anos, escore > 5= 50% de sobrevida em 5 anos).


Esse estudo tem várias limitações, boa parte delas elencadas pelos próprios autores na discussão. Em que pese o elevado número de pacientes incluídos na análise, trata-se de um estudo retrospectivo, com suas inerentes possíveis falhas, especialmente nas informações da base de dados da UNOS e erros nas classificações dos pacientes (grupo Milão versus down-staging). Houve dificuldades dos autores identificarem a data do diagnóstico do CHC em alguns casos. O tempo médio de follow-up que se conseguiu foi de 2 anos e a sobrevida avaliada foi aos 3 anos. Sabidamente, ocorre recorrência do CHC com impacto na sobrevida pós-TxH além desse período, o que pode trazer eventuais alterações na sobrevida comparativa entre os grupos. Apenas a partir de 2012 estão disponíveis dados de recorrência e o anátomo-patológico do explante uma vez que antes não era compulsória que essa informação fosse fornecida a UNOS.

 

Isso resultou num follow-up médio pequeno, de 1,9 anos, o que pode ter subestimado a recorrência do CHC pós-TxH. Cerca de 1/3 dos pacientes UCSF-DS estavam além dos critérios de Milão no TxH, comprovado no explante, denotando um subestadiamento e/ou inadequada resposta ao tratamento locorregional. Outra limitação foi que alguns pacientes fora dos critérios de Milão, não foram reportados como tendo realizado tratamento locorregional. Comparações de recorrência e sobrevida de acordo com o tempo de espera foram limitadas em função do pequeno número de pacientes (especialmente no grupo AC-DS) de cada região.

 

Como conclusão pode-se dizer que o presente estudo trouxe importantes contribuições, auxiliou muito no esclarecimento de muitas questões com relação ao TxH no contexto do CHC. Corroborou com a necessidade de se estabelecer um limite de volume tumoral inicial de doença para down-staging e validou a política de inclusão como critério especial de CHC adotado pela UNOS em 2017. Também demonstrou que o tempo curto de observação (espera em lista) e AFP > 100 no momento do TxH, está associado a pior sobrevida dos pacientes submetidos a down-staging.


Referências


1. Hameed B, Mehta N, Sapisochin G, Roberts JP, Yao FY. Alphafetoprotein level > 1000 ng/mL as an exclusion criterion for liver transplantation in patients with hepatocellular carcinoma meeting the Milan criteria. Liver Transpl 2014;20:945-951.
2. Duvoux C, Roudot-Thoraval F, Decaens T, Pessione F, Badran H, Piardi T, et al. Liver transplantation for hepatocellular carcinoma: a model including alpha-fetoprotein improves the performance of Milan criteria. Gastroenterology 2012;143:986-994.
3. Mazzaferro V, Sposito C, Zhou J, Pinna AD, De Carlis L, Fan J, et al. Metroticket 2.0 model for analysis of competing risks of death after liver transplantation for hepatocellular carcinoma. Gastroenterology 2018;154:128-139.
4. Roberts JP, Venook A, Kerlan R, Yao F. Hepatocellular carcinoma: ablate and wait versus rapid transplantation. Liver Transpl 2010;16:925-929.
5. Otto G, Herber S, Heise M, Lohse AW, Monch C, Bittinger F, et al. Response to transarterial chemoembolization as a biological selection criterion for liver transplantation in hepatocellular carcinoma. Liver Transpl 2006;12:1260-1267.
6. Millonig G, Graziadei I, Freund MC, Jaschke W, Stadlmann S, Ladurner R, et al. Response to chemoembolization correlates with outcome after liver transplantation in patients with hepatocellular carcinoma. Liver Transpl 2007;13:272-279.
7. Lai Q, Avolio AW, Graziadei I, Otto G, Rossi M, Tisone G, et al. Alpha-fetoprotein and modified response evaluation criteria in solid tumors progression after locoregional therapy as predictors of hepatocellular cancer recurrence and death after transplantation. Liver Transpl 2013;19:1108-1118.
8. Kim DJ, Clark PJ, Heimbach J, Rosen C, Sanchez W, Watt K, et al. Recurrence of hepatocellular carcinoma: importance of mRECIST response to chemoembolization and tumor size. Am J Transpl 2014;14:1383-1390.
9. Yao FY, Fidelman N. Reassessing the boundaries of liver transplantation for hepatocellular carcinoma: where do we stand with tumor down-staging? Hepatology 2016;63:1014-1025.
10. Parikh ND, Waljee AK, Singal AG. Downstaging hepatocellular carcinoma: a systematic review and pooled analysis. Liver Transpl 2015;21:1142-1152.
11. OPTN. Organ Procurement and Transplantation Network (OPTN) Policies. https://optn.transplant.hrsa.gov/media/1922/liver_hcc_ criteria_for_auto_approval_20160815.pdf. Accessed March 1, 2018.
12. Mehta N, Guy J, Frenette CT, Dodge JL, Osorio RW, Minteer WB, et al. Excellent outcomes of liver transplantation following down staging of hepatocellular carcinoma to within Milan criteria-a multi-center study. Clin Gastroenterol Hepatol 2018;16:955-964.
13. Mehta N, Heimbach J, Lee D, Dodge JL, Harnois D, Burns J, et al. Wait time of less than 6 and greater than 18 months predicts hepatocellular carcinoma recurrence after liver transplantation: proposing a wait time “sweet spot”. Transplantation 2017;101:2071-2078.
14. Mehta N, Heimbach J, Harnois DM, Sapisochin G, Dodge JL, Lee D, et al. Validation of a Risk Estimation of Tumor Recurrence After Transplant (RETREAT) score for hepatocellular carcinoma recurrence after liver transplant. JAMA Oncol 2017;3:493-500.



 

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