SBH Comenta
“Effect of a Low Free Sugar Diet vs Usual Diet on Nonalcoholic Fatty Liver Disease in Adolescent Boys: A Randomized Clinical Trial”
Effect of a Low Free Sugar Diet vs Usual Diet on Nonalcoholic Fatty Liver Disease in Adolescent Boys: A Randomized Clinical Trial.
Schwimmer JB et al; JAMA. 2019; 321(3): 256-265.
Ler artigo na íntegra
Comentários:
Helma Pinchemel Cotrim
Prof.ª Titular de Gastroenterologia e Hepatologia
Faculdade de Medicina da Bahia - Universidade Federal da Bahia
Líder do Grupo de Pesquisas em Esteato - Hepatite Não Alcoólica - CNPq- /UFBA
Médica Especialista em Hepatologia- Sociedade Brasileira de Hepatologia
A prevalência da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) vem crescendo em paralelo com a denominada epidemia de obesidade em todo mundo e como acontece entre os adultos, vem se tornando um dos problemas de saúde mais frequentes em crianças e adolescentes (1).
Nos Estados Unidos DHGNA é considerada a doença de fígado mais tem elevada prevalência em crianças e adolescentes e nessa população ocorre mais no gênero masculino e em hispânicos (2, 3, 4).
Preocupante também é o fato de que na população pediátrica, a DHGNA tem se associado com elevado risco de diabetes mellitus T2, doença cardiovascular, carcinoma hepatocelular (CHC) e da síndrome metabólica (SM). São diversas as evidências que sugerem que a DHGNA se associe sempre com um ou mais componentes dessa síndrome (5 6).
Susceptibilidade genética e fatores ambientais predispondo a resistência à insulina e obesidade parecem ser os fatores centrais para o desenvolvimento da DHGNA em crianças. Contudo, a fisiopatologia da doença é multifatorial e muitos outros fatores estão envolvidos na sua evolução e prognóstico (7,8).
Até o momento não existem medicações específicas aprovadas para o tratamento da DHGNA e os guidelines pediátricos têm recomendado modificações no estilo de vida com incentivo a utilização de dietas equilibradas, atividade física regular e controle dos fatores de risco (5 9).
O presente artigo, publicado recentemente no JAMA (American Medical Association Journal), teve como objetivo determinar a eficácia de uma dieta com restrição de açúcares (adicionados aos alimentos e bebidas como sucos de frutas) no tratamento da DHGNA em adolescentes do gênero masculino.
Através de um ensaio terapêutico randomizado, aberto e com duração de oito semanas, foram incluídos adolescentes de gênero masculino de 11 a 16 anos de idade. Os critérios adotados para diagnóstico da DHGNA foram: esteatose em mais de 10% dos hepatócitos na histologia e ALT>45mg U/L.
Randomização 1:1: Grupo 1: os participantes receberam uma dieta com restrição de açúcar (<3% de açucares/dia por 8 semanas).
A dieta foi orientada por um nutricionista e adaptado às preferências familiares e dieta habitual dos adolescentes. Alimentos suficientes foram entregues a cada família, duas vezes por semana, essas foram instruídas a não comprar alimentos e consumir apenas os alimentos fornecidos pela equipe do estudo.
Duas vezes por semana os participantes recebiam um telefonema dos pesquisadores para avaliar a aderência à dieta.
Grupo 2: os participantes foram orientados a continuar com seus hábitos alimentares diários, sem restrições, também por 8 semanas.
Os resultados esperados ou os critérios para o desfecho foram: diminuição da esteatose avaliada pela ressonância magnética (MRI proton density fat fraction measurement), diminuição dos níveis séricos da ALT, GGT, RI (HOMA-IR), glicemia, colesterol total e LDL, HDL, triglicérides; aderência à dieta nas 8 semanas.
Resultados: 40 adolescentes foram incluídos no estudo, 20 em cada grupo. A média de idade foi de 13,1±1,9 anos e todos completaram o ensaio terapêutico. Observou-se redução da esteatose, pela RM, de 25% para 17% do grupo da dieta (G1) versus 21 para 20% no G2 (dieta habitual) (P< 0, 001). No grupo da dieta observou-se queda dos níveis de ALT: 82 para 75U/L e no colesterol total: 162 para 147mg/dl. Entretanto, não se observou diferenças nos níveis de insulina, glicemia, HOMA, triglicérides, HDL e LDL e no IMC dos dois grupos.
Os autores concluíram o artigo sugerindo que uma dieta com baixa quantidade de açúcar, administrada a adolescentes do gênero masculino, podem reduzir a esteatose hepática.
Comentários:
O estudo tem relevância porque aborda um tema atual e de interesse clínico. A orientação da dieta é um dos principais componentes no tratamento da DHGNA. Alimentação equilibrada e a atividade física regular são recomendações fundamentais na terapia da DHGNA.
Os autores adotaram uma metodologia adequada para esse tipo de estudo, isto é ensaio terapêutico randomizado, controlado e mostraram benefício na redução de açúcares na dieta de adolescentes quando comparados ao grupo controle, na redução da esteatose, avaliada pela ressonância magnética.
Contudo, embora o artigo tenha sido publicado em um dos mais importantes jornais científicos da atualidade (JCR 51, 273), apresenta muitas limitações. Entre elas o n de pacientes (40 adolescentes, 20 em cada grupo); a inclusão apenas de adolescentes do gênero masculino; tempo curto de acompanhamento (8 semanas) Além disso, nos critérios para diagnóstico de DHGNA considerou apenas a presença de esteatose e ALT>45mg U/L; a aderência à dieta foi essa avaliada por telefonemas semanais aos adolescentes participantes.
Nos resultados, embora tenha sido observada redução da esteatose hepática pela RM no grupo da dieta, o outro critério diagnóstico utilizado, níveis séricos de ALT, apesar da redução da enzima, os níveis continuaram elevados sugerindo que a agressão hepatocelular estava mantida. Não foram observados também nesta população de adolescentes, redução do IMC, níveis de insulina, glicemia, RI (HOMA-IR), triglicérides, HDL e LDL.
Diante de tantas limitações metodológicas e dos resultados obtidos pelo estudo, torna-se difícil admitir que a dieta exclusivamente com redução de açúcar deva ser recomendada no tratamento da DHGNA em adolescentes.
Quando se discute mudanças de estilo de vida como parte do tratamento da DHGNA, a dieta tem papel fundamental. No entanto, esta deve ser equilibrada em relação a todos os seus componentes (proteínas, gorduras e carboidratos) e deve ser associada à atividade física regular. Estas são consideradas as condutas mais adequadas no controle da DHGNA para crianças, adolescentes e também para adultos.
Entre as deitas que têm sido avaliadas no tratamento da DHGNA, em pacientes adultos, a denominada dieta Mediterrânea tem sido considerada uma das mais adequadas (10, 11).
Em conclusão, os autores parecem concordar com os comentários realizados, quando finalizam o artigo afirmando: “these findings should be considered preliminar and further research is required to assess long-term and clinical outcomes”.
Referências
1. D’Adamo E; Castorani V; Nobili. The Liver in Children with Metabolic Syndrome. Front Endocrinol. 2019; (Aug 2), 10:514.
2. Anderson EL, Howe LD, Jones HE, et al. The prevalence of nonalcoholic fatty liver disease in children and adolescents. PLoS One. 2015;10 (10).
3. Welsh JA, Karpen S, Vos MB. Increasing prevalence of nonalcoholic fatty liver disease among United States adolescents. 1988-1994 to 2007-2010; J Pediatr. 2013;162 (3):496-500.
4. Schwimmer JB, McGreal N, Deutsch R E et al. Influence of gender, race, and ethnicity on suspected fatty liver in obese adolescents. Pediatrics. 2005; 115 (5): e561-e565.
4. Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease. Gastroenterology. 2012;142 (7):1592-1609.
5. Vos MB, Abrams SH, Barlow SE et al. NASPGHAN clinical practice guideline for the diagnosis and treatment of nonalcoholic fatty liver disease in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2017; 64 (2):319-334.
6. Mann JP, Valenti L, Scorletti E et al. Nonalcoholic fatty liver disease in children. Semin Liver Dis. 2018; 38:1–13.
7. Lonardo A, Ballestri S, Marchesini G et al. Nonalcoholic fatty liver disease: a precursor of the metabolic syndrome. Dig Liver Dis. 2015; 47:181–90.
8. Asrih M, Jornayvaz FR. Metabolic syndrome and nonalcoholic fatty liver
disease: is insulin resistance the link? Mol Cell Endocrinol. 2015; 418 (1):55–65.
9. Shakir AK, Suneja U, Short KR et al. Overview of Pediatric Nonalcoholic Fatty Liver Disease: A Guide for General Practitioners. J Okla State Med Assoc. 2018; 111(8):806-811.
10. Romero-Gómez M, Zelber-Sagi S, Trenell M. Treatment of NAFLD with diet, physical activity and exercise. J Hepatol. 2017; 67(4):829-846.
11- Abenavoli L, Greco M, Milic N. Effect of Mediterranean Diet and Antioxidant Formulation in Non-Alcoholic Fatty Liver Disease: A Randomized Study.Nutrients. 2017; 12;9(8).