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“Ramucirumab after sorafenib in patients with advanced hepatocellular carcinoma and increased alpha-fetoprotein concentrations (REACH-2): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase III trial”


Ramucirumab after sorafenib in patients with advanced hepatocellular carcinoma and increased alpha-fetoprotein concentrations (REACH-2): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase III trial.

Lancet Oncol. 2019 Feb;20(2):282-296. doi: 10.1016/S1470-2045(18)30937-9. Epub 2019 Jan 18.


Comentários:

Dra. Cassia Regina Guedes Leal
Médica hepatologista e coordenadora do ambulatório de carcinoma hepatocelular do Hospital Federal dos Servidores do Estado
Médica da Universidade Federal Fluminense/Hospital Universitário Antônio Pedro
Mestre em hepatologia pela Universidade Federal Fluminense
Felowship no Hospital Clinic em Barcelona
Doutoranda da Universidade Federal Fluminense.

Dra. Carmem Ferguson Theodoro
Médica hepatologista da Universidade Federal Fluminense/Hospital Universitário Antônio Pedro
Médica hepatologista do ambulatório de carcinoma hepatocelular do Hospital Federal dos Servidores do Estado
Mestranda da Universidade Federal Fluminense.


O carcinoma hepatocelular (CHC) é o tumor maligno primário mais comum do fígado e atualmente representa uma das principais causas de mortalidade relacionada ao câncer no mundo [1]. No diagnostico do CHC, a maior parte dos pacientes apresenta doença localmente avançada, invasão vascular ou presença de metástases, sendo inelegíveis para terapias potencialmente curativas como resseção, transplante hepático ou ablação [2].


Desde o diagnostico, cerca de 50% dos pacientes com CHC serão tratados com terapia sistêmica, recomendada para pacientes com CHC avançado (Barcelona Clinic for Liver Cancer (BCLC) C) ou para aqueles com doença intermediária (BCLC B) que apresentam contra indicação, ausência de resposta ou progressão intratável, impossibilitando a terapia locorregional [1,3].


Por quase uma década, o sorafenibe, um inibidor de tirosinoquinase (TKI) foi o único medicamento aprovado para o tratamento do CHC avançado em pacientes com função hepática preservada [4]. Desde a sua aprovação em 2007, inúmeros estudos que testavam outros medicamentos foram realizados, porém, sem resultados positivos em fase III e/ou perfil de segurança adequado [5]. Recentemente, o cenário da terapia sistêmica foi modificado com a publicação de alguns estudos de fase III que demostraram aumento de sobrevida global (SG) no tratamento de segunda linha nos pacientes com CHC avançado [6-8]. No REACH-2, o ramucirumabe, foi avaliado em pacientes com alfafetoproteina (AFP) elevada tratados previamente com sorafenibe8.


O Ramucirumabe é um anticorpo monoclonal recombinante humano do tipo IgG1 que se liga com alta afinidade ao receptor 2 do fator de crescimento endotelial vascular (RFCEV-2), impedindo sua ativação [9]. O fator de crescimento endotelial vascular (FCEV) desempenha papel importante na angiogênese e no crescimento tumoral [10]. No CHC há aumento da expressão do FCEV e de seus receptores, configurando pior prognóstico [11].


No estudo REACH (n= 565), o ramucirumabe não atingiu o objetivo primário de aumento de SG comparada ao placebo em pacientes previamente tratados com sorafenibe [hazard ratio (HR) 0,866 (95 % intervalo de confiança (CI) 0,717–1,064; p=0,139); 9,2 meses com ramucirumab vs 7,6 meses com placebo] [12]. No entanto, em uma sub análise limitada a pacientes com AFP ≥ 400 ng/mL houve aumento da SG no grupo do ramucirumabe [HR 0,674 (95% IC 0,508–0,895); p = 0.006; 7,8 meses vs 4,2 meses] [12]. Com base nestes resultados, o REACH-2 foi desenvolvido para reavaliar a eficácia e segurança do ramucirumabe no CHC avançado em pacientes com AFP elevada.


O REACH-2, um estudo de fase III, randomizado, duplo cego, multicêntrico, comparou o ramucirumabe ao placebo em pacientes (n= 292) com AFP ≥ 400 ng/mL que apresentaram intolerância ou progressão de doença com o uso de sorafenibe [8]. A randomização foi 2:1 (197 pacientes no grupo do ramucirumabe  e 95 no grupo do placebo) sendo elegíveis pacientes com CHC estágio BCLC B e C, função hepática preservada (Child-Pugh A) e Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) performance status (PS) 0 ou 1. O ramucirumabe foi administrado via endovenosa (8mg/kg) a cada duas semanas. O tempo médio de seguimento foi de 7,9 meses para o grupo que usou ramucirumabe e 6,6 meses para o grupo placebo.


O estudo atingiu o seu objetivo primário, demonstrando um aumento de SG de 8,5 meses nos pacientes tratados com ramucirumabe comparado com 7,3 meses nos pacientes tratados com placebo (HR 0,710; 95% CI 0,531–0,949; p=0.0199), com redução na taxa de mortalidade em 29%. Reunindo os dados dos pacientes com AFP ≥ 400 ng/mL tratados com ramucirumabe dos estudos REACH e REACH-2, foi observado um ganho de SG de 3,1 meses [8,1 vs 5,0 meses (HR 0,694; 95% IC 0,571-0,842; p=0,0002)].


Em relação aos objetivos secundários, observou-se que o tempo de sobrevida livre de progressão de doença (PFS) foi significativamente maior nos pacientes tratados com ramucirumabe [2,8 meses vs 1,6 meses (HR 0,452; p < 0,0001)], no entanto, a taxa de resposta objetiva ao tratamento (5% vs 1%) não foi diferente entres os dois grupos. O tempo para progressão radiológica foi de 3,0 meses no grupo do ramucirumabe e 1,6 meses no grupo placebo (HR 0,427; p<0.0001). 


O tempo mediano de tratamento foi de 12 semanas (IQR 6-28) com ramucirumabe e 8 semanas (IQR 6-13) com placebo. Os efeitos adversos (EA) mais frequentes observados com o ramucirumabe: foram fadiga (27%), edema periférico (25%), hipertensão (25%) e redução de apetite (23%), sendo graus 1 ou 2 em sua maioria. Os EA grau ≥  3 que ocorreram com maior frequência nos pacientes tratados com ramucirumabe foram: disfunção hepática (39,6%), hipertensão (12,7%) e sangramento (5,1%), enquanto no grupo placebo a hipertensão foi o EA grau ≥  3  que ocorreu com maior frequência (5%). Modificação da dose (redução, adiamento ou omissão) devido a EAs relacionados ao tratamento foi mais comum no grupo do ramucirumabe comparado ao grupo placebo (35% vs 14%). Vinte um pacientes (11%) necessitaram suspender o tratamento no grupo do ramucirumabe devido a EAs relacionados a tratamento, e 3 obitos (1,5%) ocorreram como consequência do tratamento (0 obitos no grupo placebo).


O ramucirumabe apresentou um excelente perfil de tolerância, com manutenção da dose plena em 98% dos pacientes.

Discussão

No estudo REACH-2, o tratamento de segunda linha com ramucirumabe demonstrou aumento de SG, melhora da PFS de doença, e no tempo para progressão radiológica, com excelente tolerabilidade e perfil de segurança8. Por atuar em um único tipo de receptor acredita-se que o ramucirumabe apresente maior grau de tolerância com menor incidência de efeitos adversos.


Esse foi o primeiro estudo de fase III com resultados positivos em uma população selecionada por um biomarcador. No CHC, o valor da AFP como biomarcador no prognóstico é reconhecido, sendo incorporada a diversos escores prognósticos13. Estudos mostram que a AFP pode estar relacionada ao aumento da angiogênese pela expressão do FCEV e RFCEV-2 11,14. Os resultados positivos encontrados REACH-2 em pacientes com AFP elevada pode simplesmente estar relacionado ao fato que pacientes com AFP ≥ 400 ng/mL possuem CHC com prognóstico mais reservado que poderiam se beneficiar do tratamento com o ramucirumabe. Em contrapartida, valores elevados de AFP podem identificar pacientes com um subtipo de CHC que seria mais susceptível a inibição seletiva do RFCEV-2 e assim apresentar melhor resposta ao tratamento com o ramucirumabe.


Pacientes com disfunção hepática (Child-Pugh B e C) não foram incluídos no REACH-2 e portanto a segurança e eficácia do ramucirumabe em pacientes com cirrose hepática avançada não foi avaliada. Outra limitação é que apenas pacientes tratados previamente com sorafenibe foram avaliados, devido a ausência de outros tratamentos sistêmicos de primeira linha disponíveis no momento do estudo. Uma expansão da coorte original já está sendo desenvolvida para avaliar o desempenho do ramucirumabe em pacientes com CHC avançado e AFP ≥ 400 ng/mL que foram tratados com outra terapia de primeira linha.

Conclusão

Baseado nos resultados encontrados no REACH-2, o ramucirumabe pode ser indicado como tratamento de segunda linha em pacientes com CHC avançado e função hepática preservada, quando a AFP for  ≥ 400ng/mL, sendo o único tratamento a mostrar benefício em uma população selecionada por um biomarcador. Com a recente modificação no cenário da terapia sistêmica no CHC e a introdução de novas medicações, o desafio que se impõe atualmente é como determinar a melhor sequencia de tratamento a ser seguida a fim de obter a melhor relação custo-benefício.

Referências:


1. T. Akinyemiju, S. Abera, M. Ahmed, N. Alam, M.A. Alemayohu, C. Allen, et al. The burden of primary liver cancer and underlying etiologies from 1990 to 2015 at the global, regional, and national level. JAMA Oncol. 2017;3(12):1683-1691.
2. Forner A, Reig M, Bruix J. Hepatocellular carcinoma. Lancet. 2018;391(10127): 1301–1314.
3. Galle, P.R., Forner, A., Llovet, J.M., Mazzaferro, V., Piscaglia, F., Raoul, J. et al. EASL clinical practice guidelines: management of hepatocellular carcinoma. J Hepatol. 2018;69(1):182–236.
4. Llovet JM, Ricci S, Mazzaferro V, Hilgard P, Gane E, Blanc JF, et al. Sorafenib in advanced hepatocellular carcinoma. N Engl J Med. 2008;359(4):378–90.
5. Llovet JM, Hernandez-Gea V. Hepatocellular carcinoma: reasons for phase 3 failure and novel perspectives on trial design. Clin Cancer Res. 2014;20(8):2072–79.
6. Bruix J, Qin S, Merle P et al. Regorafenib for patients with hepatocellular carcinoma who progressed on sorafenib treatment (RESORCE): a randomised, double-blind, placebo-controlled, Phase III trial. Lancet. 2017;389(10064), 56–66.
7. Abou-Alfa GK, Meyer T, Cheng AL et al. Cabozantinib in patients with advanced and progressing hepatocellular carcinoma. N. Engl. J. Med. 2018;379(1):54–63.
8. Zhu AX, Kang YK, Yen CJ et al. Ramucirumab after sorafenib in patients with advanced hepatocellular carcinoma and increased alpha-fetoprotein concentrations (REACH-2): a randomised, double-blind, placebo-controlled, Phase III trial. Lancet Oncol. 2019;20(2):282–296.
9. Spratlin JL, Cohen RB, Eadens M, et al. Phase I pharmacologic and biologic study of ramucirumab (IMC-1121B), a fully human immunoglobulin G1 monoclonal antibody targeting the vascular endothelial growth factor receptor-2. J Clin Oncol. 2010;28(5):780-7.
10. Amini A, Masoumi Moghaddam S, Morris DL, et al. The critical role of vascular endothelial growth factor in tumor angiogenesis. Curr Cancer Drug Targets. 2012;12(1):23–43.
11. Huang J, Zhang X, Tang Q, Zhang F, Li Y, Feng Z, Zhu J. Prognostic significance and potential therapeutic target of VEGFR2 in hepatocellular carcinoma. J Clin Pathol. 2011;64(4):343–348.
12. Zhu AX, Park JO, Ryoo BY, et al. Ramucirumab versus placebo as second-line treatment in patients with advanced hepatocellular carcinoma following first-line therapy with sorafenib (REACH): a randomised, double-blind, multicentre, phase 3 trial. Lancet Oncol. 2015;16(7):859–70.
13. Pons F, Varela M, Llovet JM. Staging systems in hepatocellular carcinoma. HPB (Oxford). 2005;7(1): 35–41.
14. Shan YF, Huang YL, Xie YK, et al. Angiogenesis and clinicopathologic characteristics in different hepatocellular carcinoma subtypes defined by EpCAM and alpha-fetoprotein expression status. Med Oncol. 2011;28(4):1012–16.



 

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