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“Unexplained cholestasis in adults and adolescents: diagnostic benefit of genetic examination ”
Unexplained cholestasis in adults and adolescents: diagnostic benefit of genetic examination.
Aamann L, Ørntoft N, Vogel I, Grønbaek H, Becher N, Vilstrup H, Ott P, Lildballe DL. Scand J Gastroenterol. 2018 Mar;53(3):305-311. doi: 10.1080/00365521.2017.1422800. Epub 2018 Jan 5.
Comentários: Dra. Elze Maria Gomes de Oliveira
Colestase intra-hepática é uma síndrome clínica secundária a diferentes etiologias incluindo hepatite alcoólica, esteatohepatite não-alcoólica, toxicidade medicamentosa, nutrição parenteral, CBP, CEP, Colangite por IgG4, distúrbios granulomatosos como sarcoidose ou amiloidose, ou ainda pode ser consequente a causas mais raras como as colestases familiares. A gravidade da síndrome colestática, varia desde a presença de sintomas recidivantes como prurido e icterícia, até o desenvolvimento de doença hepática avançada (1).
As colestases familiares intra-hepáticas (PFIC) correspondem a um grupo de doenças hereditárias autossômicas recessivas, que se manifestam na maioria das vezes na infância, no período neonatal, e apresentam mecanismos fisiopatológicos relacionados a mutações dos genes do sistema de transporte hepatocanalicular dos sais biliares. Estas doenças apresentam colestase crônica e ausência de distúrbios anatômicos identificáveis, demonstrando a importância dos testes genéticos no diagnóstico destas patologias (2).
A presença de algumas dessas mutações que causam doença colestática pediátrica na forma homozigótica, podem causar doença colestática em adultos na forma heterozigótica (2,3). A presença de mutação no gene ATP8B1 que codifica a proteína transportadora de fosfolípides (F1C1), é responsável pela PFIC1 na forma homozigótica, e pela BRIC1 (Colestase Recorrente Benigna tipo 1), e colestase induzida por droga quando a mutação está presente na forma heterozigótica (2-4). Mutação no gene ABCB11, gene que codifica a bomba exportadora de sal biliar (BSEP) são responsáveis pela PFIC2 em homozigoze, e pelas BRIC2, Colestase intra-hepática da gravidez e colestase induzida por droga na forma heterozigótica (2-4). Presença de mutação no gene ABCB4, que codifica a glicoproteína MDR3, que transporta lipídios da família da fosfatidilcolina para a bile, caracteriza a PFIC3 na forma homozigótica, e quando presente em heterozigoze, está associada a Colelitíase associada a baixo teor de fosfolipídios na bile (LPAC), Colestase intra-hepática da gravidez e colestase induzida por droga (2-4). A presença de mutação em um quarto gene, o TJP2, gene que codifica a proteína de junção estreita-2, é responsável pela PFIC4 (5). Mutações em NR1H4, gene que codifica o receptor farnesóide X (FXR), um receptor de hormônio nuclear ativado por ácido biliar que regula o metabolismo do ácido biliar é responsável pela PFIC 5 (6). Presença de mutação no gene miosina 5B (MYO5B), responsável por doença congênita do enterócito, está relacionada a colestase isolada, sendo considerado como um gene de colestase intra-hepática familiar progressiva (PFIC 6) (7). Mutação no gene ABCC2, que codifica o transportador MRP2, responsável pela excreção canalicular de bilirrubina conjugada e outros ânions orgânicos, causa a Síndrome de Dubin-Johnson. Mutação no gene ABCG5, está relacionado a Sitosterolemia. Mutação no gene JAG1 e NOTCH2, são os genes responsáveis pela síndrome de Alagille, e mutação no gene UGT1A1 são causadores das síndromes Crigler-Najjar tipos 1 e 2, e Gilbert (3 ).
O artigo “ Unexplained cholestasis in adults and adolescents: diagnostic benefit of genetic examination”, avaliou a presença e associação dos genes ATP8B1, ABCB11, ABCB4, ABCC2, ABCG5, JAG1, NOTCH2, e UGT1A1 com colestase intra-hepática sem diagnóstico etiológico em adultos.
MATERIAL E MÉTODOS:
Estudo prospectivo, incluindo 33 pacientes com colestase sem etiologia, realizado no hospital universitário Aarhus, Dinamarca. Os pacientes foram avaliados seguindo os critérios de investigação diagnóstica de colestase de acordo com o Guideline do EASL (1). Foram incluídos apenas os pacientes com colestase sem etiologia.
Os pacientes apresentaram uma ou mais das seguintes características:
1. Padrão colestático crônico intermitente ou agudo em amostras de sangue com FA elevada, GGT, ALT ou BT
2. História de prurido intenso prolongado e/ou elevação de sais biliares
3. História de colestase intra-hepática da gravidez sem normalização das enzimas hepáticas após o parto
4. Relatos anteriores de colelitíase associada a baixos níveis de fosfolipídios (LPAC) antes dos 40 anos com recorrência dos sintomas após colecistectomia
Os pacientes foram testados por um painel diagnóstico dos genes citados anteriormente, associados a uma abrangente investigação genética clínica detalhada, incluindo história familiar. Foi registrado episódios anteriores de colestase, prurido, icterícia, sintomas durante a gravidez, exames de sangue das enzimas hepáticas.
Os pacientes foram classificados em 4 categorias:
1. Categoria A: a genética é o principal fator de risco (variante Patogênica)
2. Categoria B: a genética predispõe a doença colestática (variante desempenhou papel importante no desenvolvimento da doença)
3. Categoria C: a genética pode contribuir para a doença (a variante pode ou não ter desempenhado um papel importante no desenvolvimento da doença)
4. Categoria D: variantes Benígnas
RESULTADOS:
Trinta e três (33) pacientes foram incluídos no estudo. A média de idade foi de 40 anos, sendo 58% do gênero feminino. A maioria apresentou elevação de enzimas hepáticas, com aumento de FA em 97%, GGT em 79%, ALT em 88%, e sais biliares em 70%. Prurido foi encontrado em 85% dos casos.
Variantes que poderiam ser classificadas como causadoras da doença foi encontrado em 20 pacientes (60%)
9/33 (27%) foram classificadas nas categorias A e B
Categoria A: 4 variantes ABCB4
1 variante ABCB11
1 pcte com 3 variantes: ABCB4+ABCB11+ABCG5
Categoria B: 2 variantes ABCB11
1 variante: UGT1A1
9/33 (27%) foram classificadas na categoria C
Categoria C: 3 variantes ABCC2
2 variantes ABCB11
2 variantes ABCG5
1 pcte com variante em: ABCB11+ UGT1A1
1 pcte com variante em: ABCC2+ ABCG5
2/33 (6%) foram classificadas como categoria D
15/19 mulheres do estudo tiveram gestações anteriores. Entre estas, 13 apresentaram sintomas consistentes com colestase intra-hepática da gravidez, sendo encontrado variantes associadas a doença em 8 destas 13 pacientes (61,5%), sendo 6 (46%) nas categorias A e B.
Comentários:
Embora tenha havido um grande progresso no estudo das colestases hereditárias e suas formas variantes através da descoberta dos transportadores trasmembrana canalicular para os ácidos biliares (AB), dos genes que codificam estes transportadores, e dos receptores nucleares, que representa importante papel no metabolismo destes ácidos biliares, alguns aspectos permanecem por ser melhor esclarecidos. O fato das mutações nos genes das colestases familiares manifestadas na infância estarem relacionadas a doença colestática em adultos, gera a hipótese que a doença colestática genética no adulto poderia ser mais comum do que em crianças, demonstrando a importância diagnóstica do exame genético na população adulta. Droge el al avaliaram uma grande coorte de pacientes com colestase crônica sem etiologia (N= 249), sendo encontrado em 149 destes, pelo menos uma variante como causadora de doença nos genes ATP8B1, ABCB11, ABCB4 (8), sugerindo claramente uma relação genótipo-fenótipo. O principal resultado do presente estudo foi a identificação de possíveis variantes genéticas patogênicas em mais de 54% (18/33) em pacientes adultos com colestase intra-hepática criptogênica. Interessantemente, e em concordância com estudos anteriores (8,9), em 27% destes pacientes (9/33), estas variantes genéticas estavam presentes em heterozigose e foram consideradas como patogênicas, justificando o fenótipo colestático, e pacientes com uma variante genética como provável foi encontrado em 27% (9/33), reforçando a importância dos testes genéticos combinados a avaliação do geneticista e do hepatologista clínico, incluindo uma história pessoal e familiar detalhada.
Variantes no gene ABCB11, tem sido relacionada na forma heterozigótica a BRIC2, Colestase intra-hepática da gravidez e colestase induzida por droga (2-4). Neste estudo, pacientes com variantes neste gene, tiveram história de sintomas colestáticos graves após uso de estatinas, antibióticos, assim como colestase intra-hepática da gravidez, como já relatado em estudos anteriores (2-4). Apesar de controverso, mutações no gene ABCC2, responsável pela síndrome de Dubin-Johnson em homozigose, tem sido associados a casos de colestase intra-hepática da gravidez (10), colestase neonatal( 11), e colestase secundária a uso de metotrexate e anti-inflamatórios(12). Um paciente deste estudo com mutação neste gene, apresentou duas vezes colestase intra-hepática da gravidez, colestase após uso de anti-inflamatórios, e seus familiares apresentavam história familiar de colestase crônica sem etiologia. Um outro paciente apresentou colestase grave após uso de metotrexate, que é transportado pela MRP2, transportador codificado pelo gene ABCC2, mostrando que esta questão controversa precisa ser melhor esclarecida. Da mesma forma, casos de colestase também foi associado ao gene UGT1A1, gene responsável pelas síndromes de Gilbert e Crigler-Najjar tipo 2 quando esta mutação está presente na forma heterozigótica, e por isto a pesquisa deste gene foi incluída neste estudo (13). Duas variantes presentes no gene UGT1A1 foram encontradas neste estudo, uma sozinha classificada como categoria B que apresentou fenótipo de Crigler-Najar tipo 2, e a outra associada a mutação no gene ABCB11, caracterizado na categoria C.
Colestase intra-hepática da gravidez está relacionada a parto prematuro, sofrimento fetal e morte intra-uterina, e pode ocorrer em gestações subsequentes, ou durante uso de anticoncepcionais orais (14). No presente estudo, foi observado uma elevada frequência (8/13 : 62%) de variantes causadoras de doença em gestantes com colestase intra-hepática. Em 6 pacientes estas variantes foram consideradas como fatores principais ou predisponentes, e as mutações foram todas detectadas em ABCB4 e ABCB11, concordando com relatos anteriores (15).
Em conclusão este estudo evidenciou etiologia genética em 9/33(27%) e uma possível etiologia genética em 9/33 (27%) pacientes com colestase sem etiologia, sugerindo um valor clínico do teste genético nestes pacientes, demonstrando a utilidade de implementação de um painel genético para ser pesquisado em pacientes com colestase criptogênica, especialmente quando associada a avaliação de hepatologistas e geneticistas clínicos.
REFERÊNCIAS:
1. European Association For The Study Of The Liver. EASL Clinical Practice Guidelines: management of cholestatic liver diseases. J Hepatol. 2009;51:237–267.
2. Trauner M, Meier PJ, Boyer JL. Molecular pathogenesis of cholestasis. N Engl J Med. 1998;339:1217–1227
3. Trauner M, Boyer JL. Physiol Ver. 2003;83;633-671
4. Jansen PL, Sturm E. Genetic cholestasis, causes and consequences for hepatobiliary transport. Liver Int. 2003;23:315–322.
5. Sambrotta M, Strautnieks S, Papouli E, et al. Mutations in TJP2 cause progressive cholestatic liver disease. Nat Genet.2014;46:326–8.
6. Gomez-Ospina N, Potter CJ, Xiao R, et al. Mutations in the nuclear bile acid receptor FXR cause progressive familial intrahepatic cholestasis. Nat Commun. 2016;18(7):10713.
7. Gonzales E, Taylor SA, Davit-Spraul A, et al. MYO5B mutations cause cholestasis with normal serum gamma-glutamyl transferase activity in children without microvillous inclusion disease.Hepatology. 2017;65:164–73.
8. Droge C, Bonus M, Baumann U, et al. Sequencing of FIC1, BSEP and MDR3 in a large cohort of patients with cholestasis revealed a high number of different genetic variants. J Hepatol.2017;S0168–8278:32147–55.
9. Ziol M, Barbu V, Rosmorduc O, et al. ABCB4 heterozygous gene mutations associated with fibrosing cholestatic liver disease in adults. Gastroenterology. 2008;135:131–141.
10. Sookoian S, Castano G, Burgueno A, et al. Association of the multidrug-resistance-associated protein gene (ABCC2) variants with intrahepatic cholestasis of pregnancy. J Hepatol. 2008;48:125–132.
11. Togawa T, Sugiura T, Ito K, et al. Molecular genetic dissection and neonatal/infantile intrahepatic cholestasis using targeted nextgeneration sequencing. J Pediatr. 2016;171:171–177.
12. El-Sheikh AA, van den Heuvel JJ, Koenderink JB, et al. Interaction of nonsteroidal anti-inflammatory drugs with multidrug resistance protein (MRP) 2/ABCC2- and MRP4/ABCC4-mediated methotrexate transport. J Pharmacol Exp Ther. 2007;320:229–235.
13. Fata CR, Gillis LA, Pacheco MC. Liver fibrosis associated with Crigler–Najjar syndrome in a compound heterozygote: a case report. Pediatr Dev Pathol. 2017;20:522–525.
14. Fisk N, Bruce Storey G. Fetal outcome in obstetric cholestasis. BJOG. 1988;95:1137–1143.
15. Dixon PH, Wadsworth CA, Chambers J, et al. A comprehensive analysis of common genetic variation around six candidate loci for intrahepatic cholestasis of pregnancy. Am J Gastroenterol.2014;109:76–84.
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