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“Cryptogenic cholestasis in young and adults: ATP8B1, ABCB11, ABCB4, and TJP2 gene variants analysis by high-throughput sequencing”


Cryptogenic cholestasis in young and adults: ATP8B1, ABCB11, ABCB4, and TJP2 gene variants analysis by high-throughput sequencing.

Giovanni Vitale, Stefano Gitto, Francesco Raimondi,Alessandro Mattiaccio, Vilma Mantovani, Ranka Vukotic, Antonietta D’Errico, Marco Seri, Robert B. Russell, Pietro Andreone. Japanese Society of Gastroenterology 2017. J Gastroenterol
https://doi.org/10.1007/s00535-017-1423-1


Comentários: Dra. Elze Maria Gomes de Oliveira


As Colestases Familiares Progressivas (PFIC) representam um grupo de doenças colestáticas autossômicas recessivas que acomete especialmente recém-nascidos e crianças. São doenças raras com progressão para cirrose e suas complicações. A incidência das PFIC é difícil de ser estabelecida devido a dificuldade no seu diagnóstico. Mutação em quatro genes foram associados as PFIC. A presença de mutação no gene ATP8B1 que codifica a proteína transportadora de fosfolípides, especialmente fosfatidilserina (F1C1), é responsável pela PFIC1(1-3). Mutação no gene ABCB11, gene que codifica a bomba exportadora de sal biliar (BSEP) são responsáveis pela PFIC2(1-3). A detecção de mutação no gene ABCB4, que codifica a glicoproteína MDR3, que transporta lipídios da família da fosfatidilcolina para a bile, caracteriza a PFIC3(1-3). A presença de mutação em um quarto gene, o TJP2, gene que codifica a proteína de função estreita-2, é responsável pela PFIC4 (4).


A presença de algumas dessas mutações que causam doença colestática pediátrica na forma homozigótica, podem causar doença colestática em adultos na forma heterozigótica (1,2). A colestase intra-hepática recorrente benigna (BRIC) está ligada a mutações nos genes ATP8B1 e ABCB11, caracterizados por um quadro de colestase intermitente sem progressão para cirrose. Colelitíase associada a baixo teor de fosfolipídios na bile (LPAC), caracterizada por colelitíase sintomática antes dos 40 anos com microlitíase intra-hepática e recidiva após cirurgia, está relacionada a mutações no gene ABCB4. A colestase intra-hepática da gravidez, doença reversível caracterizada por prurido, elevação de enzimas hepáticas e aumento de sais biliares séricos, está envolvida com mutações nos genes ATP8B1, ABCB11 e ABCB4. Colestase induzida por drogas tem sido associada a mutações nos genes ABCB4 e ABCB11. Mutações nos genes que codificam FIC1 ou BSEP podem desencadear colestase que é tipicamente associada com valores normais de gama-glutamiltransferase. Em contraste, a colestase relacionada à MDR3 é caracterizada por níveis elevados de GGT, que pode ser explicada pela redução da concentração dos fosfolipídios na bile, prejudicando a formação de micelas mistas, resultando em concentrações relativas mais elevadas de sais biliares na bile com efeitos tóxicos nos ductos biliares (5).


Estudos avaliando essas formas variantes heterozigóticas são escassos, especialmente em adultos. Um artigo sobre diferentes variantes genéticas nos três genes responsáveis pelas mutações F1C1, ABCB11 e ABCB4 em uma grande coorte de pacientes com colestase foi publicado em 2017, mas esta avaliação não abrangeu alteração no gene TJP2 responsável pela PFIC4 (5).
O artigo “ Cryptogenic cholestasis in young and adults: ATP8B1, ABCB11, ABCB4, and TJP2 gene variants analysis by high-throughput Sequencing” avaliou a presença de mutações nos quatro genes relacionados as colestases familiares progressivas F1C1, ABCB11, ABCB4 e TJP2 em jovens e adultos com colestase criptogênica, e relacionou estas mutações a fenótipos correspondentes e a fatores de risco.

MATERIAL E MÉTODOS:


Foram avaliados 108 pacientes com colestase sem diagnóstico etiológico estabelecido entre maio de 2013 a novembro de 2016. Destes, 48 preencheram os critérios de inclusão. Foi excluído outras causas de colestase crônica como CBP, CEP, Síndrome de Sobreposição, Colangiopatia por IgG4, icterícia obstrutiva, hepatites virais, álcool, hemocromatose hereditária, doença de Wilson, deficiência de alfa1antitripsina.


Colestase crônica foi definida pela elevação de GGT e/ou FA acima ≥ 1,5 vezes o limite superior da normalidade (LSN) em pelo menos dois testes, ou história de prurido combinado com elevação de sais biliares acima de 10 µmol/l por um período superior a 6 meses. Foi realizado elastografia hepática transitória (Fibroscan), e biópsia hepática com imunohistoquímica.
Variáveis clínicas consideradas: história de doença hepática induzida por droga, prurido, história pessoal ou familiar de colestase, história pessoal ou familiar de colestase gestacional, icterícia neonatal, colelitíase juvenil (<40 anos).
Foi feito análise comparativa de pacientes com variantes causadoras de doença versus população restante com colestase idiopática. Extraído o DNA e realizado nálise molecular abrangente dos genes ATP8B1, ABCB11, ABCB4 e TJP2.
As variantes encontradas foram classificadas em 5 categorias: Patogênico (P); Provavelmente Patogênico (PP); Variantes de significância incerta (VSI); Provavelmente Benígina (PB) e Benígna (B).


RESULTADOS:


Dos 48 pacientes que preencheram os critérios de inclusão, 10 (21%) apresentaram mutação Patogênica (P), ou Provavelmente Patogênica (PP) para 13 mutações: 2 em ATP8B1, 6 em ABCB11, 2 em ABCB4, 3 em TJP2;
Sete pacientes (7) apresentaram Variantes de significância incerta (VSI): 2 em ATP8B1, 1 em ABCB11, 2 em ABCB4, 2 em TJP2; e 11 mutações Benígnas: 2 em ATP8B1, 2 em ABCB11, 2 em ABCB4, 5 em TJP2.

Mutações variantes identificadas nas regiões codificadoras:
ATP8B1: 6 mutações variantes, sendo 2 P ou PP
ABCB11: 9 mutações, sendo 6 P ou PP
ABCB4: 6 mutações, sendo 2 P ou PP
TJP2: 10 mutações variantes: 3 P ou PP


Vinte e seis de 48 pacientes (26/48 = 58,3% ) apresentaram pelo menos uma mutação em um ou mais genes: oito pacientes tinham apenas um alelo mutado, enquanto 18 tinham mutação em dois ou mais alelos.
Subanálise de pacientes com mutações P e PP versus população colestática remanescente, não demonstrou diferenças significativas entre pacientes com e sem Mutações P/PP em relação ao sexo, idade na apresentação, assim como aos seguintes fatores de risco para PFIC: colestase induzida por droga, história pessoal ou familiar de colestase gestacional, colelitíase juvenil e história familiar para doenças colestáticas. No entanto, pelo menos um desses fatores de risco esteve presente em 9/11 pacientes com mutações P / PP.


Pacientes com mutações P / PP tiveram maior frequência icterícia neonatal (45,5 vs. 13,5%, p = 0,036) e prurido (54,5 vs. 18,9%, p = 0,029). Quanto aos exames laboratoriais, diferenças significativas foram observados entre os dois subgrupos apenas em termos de concentração de ácidos biliares (23,8 [4,4-403] vs. 8,8 [2,3–114], p = 0,003).


A rigidez hepática foi maior em indivíduos com mutações P / PP em comparação com os outros (8,1 [3,3-35,8] vs. 4,8 [3,1-29,9], p = 0,009).
Todos os pacientes do primeiro grupo mostrou características histológicas de colestase intra-hepática, comparada a 72% dos pacientes sem mutações P / PP (p = 0,018).


Análise multivariada mostrou que apenas o prurido foi um preditor independente de mutações P / PP em pacientes com colestase criptogênica (OR 5.801, IC 95% 1.244-27.060, p = 0,025).


Comentários:


Há poucos estudos ligados as mutações nos genes das PFIC com doenças não-progressivas em pacientes heterozigóticos. Droge el al avaliaram 427 pacientes com colestase, sendo encontrado em 149 destes, pelo menos uma variante como causadora de doença nos genes ATP8B1, ABCB11, ABCB4 (5). Vinte e cinco destes pacientes surpreendentemente com apenas uma variante heterozigótica apresentaram sintomas antes do primeiro ano de vida, sugerindo a presença de mutações em outros genes ou fatores epigenéticos responsáveis pela gravidade do fenótipo colestático (5).


O estudo em questão representa o primeiro relato de sequenciamento dos genes ATP8B1, ABCB11, ABCB4 e TJP2 em pacientes adultos com colestase criptogênica. Vinte e um por cento (21%) dos pacientes tiveram pelo menos uma mutação patogênica (P) ou provavelmente patogênica (PP) como causadora de doença, demontrando que variantes nos genes das PFIC não são exclusivos de doença colestáticas na infância, e podem estar presentes na sua forma heterozigótica em adultos com colestase sem etiologia estabelecida.
Outro aspecto interessante do estudo é que muitos pacientes tinham múltiplas variantes nesses quatro genes, suportando a hipótese de um efeito sinérgico que poderia ser responsável por diferentes fenótipos de colestase. Foi demonstrado neste estudo que pacientes com duas ou mais mutações não-sinônimas com pelo menos uma variante P ou PP tiveram tendência a maior rigidez hepática comparando com pacientes com menos de duas mutações não-sinônimas (7,9 KPa vs 4,9 KPa p = 0,028), indicando um potencial papel dessas variantes como modificadores de doença.


Importante ainda destacar os dados obtidos em relação aos pacientes com mutação no gene TJP2. Ao contrário do descrito por Sambrotta e cols (6), onde a presença dessa mutação foi associada a formas progressivas de colestase em pacientes pediátricos com níveis séricos normais de GGT, os três pacientes deste estudo com mutações P ou PP para TJP2 apresentaram níveis elevados de GGT. Convém ressaltar ainda que 1 dos 2 casos de mutações P e PP para o gene ATP8B1 tinha mutação combinada para TJP2, e este paciente também apresentou nível elevado de GGT, mostrando que essa questão precisa ser melhor esclarecida. Interessante ainda que os 3 pacientes com mutação no gene do TJP2 também apresentaram variantes adicionais, sendo o primeiro caso associado a variantes nos genes ABCB11 e ABCB4; o segundo associado ao gene ABCB11; e o terceiro caso apresentava variantes adicionais em ABCB11, ABCB4 e TJP2 combinados. Talvez a associação com essas mutações adicionais possam ter influenciado no fenótipo destes pacientes.


O estudo conclui que o número de casos com mutações causais encontradas em adultos com colestase criptogênica confirma a utilidade da triagem de mutações em ATP8B1, ABCB11, ABCB4 e TJP2, especialmente em casos com história de prurido, independente da idade no início da colestase, reforçando que os genes reponsáveis pelas PFIC podem estar envolvidos tanto em jovens quanto em adultos com colestase em um número considerado de casos, incluindo formas heterozigotas.


Observemos que neste estudo, apenas 21% dos casos a etiologia da doença colestática foi consequente a mutações nos genes causadores conhecidos, mostrando a importância de ser analisado o papel sinérgico de mutações em diferentes locos e a Variantes de significância incerta (VSI) nestes quatro genes.
Um fator limitante do estudo foi a análise de apenas quatro genes responsáveis pela colestase intra-hepática familiar progressiva, o que não exclui que outros genes possam estar envolvidos a esta condição. A descoberta de mutações em novos genes associados a colestases familiares com baixos níveis de GGT, como o gene da miosina 5B (MYO5B) (6) e gene NR1H4, que codifica o receptor farnesóide X (FXR) (7), podem auxiliar o diagnóstico destas colestases criptogênicas, e avaliar o significado clínico a longo prazo das mutações nos genes responsáveis nestas colestases intra-hepáticas familiares.


A elevada proporção de casos não diagnosticados, demontram que novas etiologias genéticas necessitam ser elucidadas.

Referências:


1. Trauner M, Meier PJ, Boyer JL. Molecular pathogenesis of cholestasis. N Engl J Med. 1998;339:1217–1227
2. Trauner M, Boyer JL. Physiol Ver. 2003;83;633-671
3. Jansen PL, Sturm E. Genetic cholestasis, causes and consequences for hepatobiliary transport. Liver Int. 2003;23:315–322.
4. Sambrotta M, Strautnieks S, Papouli E, et al. Mutations in TJP2 cause progressive cholestatic liver disease. Nat Genet.2014;46:326–8.
5. Droge C, Bonus M, Baumann U, et al. Sequencing of FIC1, BSEP and MDR3 in a large cohort of patients with cholestasis revealed a high number of different genetic variants. J Hepatol.2017;S0168–8278:32147–55.
6. Gonzales E, Taylor SA, Davit-Spraul A, et al. MYO5B mutations cause cholestasis with normal serum gamma-glutamyl transferase activity in children without microvillous inclusion disease.Hepatology. 2017;65:164–73.
7. Gomez-Ospina N, Potter CJ, Xiao R, et al. Mutations in the nuclear bile acid receptor FXR cause progressive familial intrahepatic cholestasis. Nat Commun. 2016;18(7):10713.

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