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“Hip fracture risk in patients with alcoholic cirrhosis: a population-based study using English and Danish data”
Otete, H., Deleuran, T., Fleming, K.M., Card, T.R., Aithal, G.P., Jepsen, P., West, J., Hip fracture risk in patients with alcoholic cirrhosis: a population-based study using English and Danish data, Journal of Hepatology (2018), doi: https://doi.org/10.1016/j.jhep.2018.04.002
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Liliana Sampaio Costa Mendes
Doutora em Gastroenterologia HC-FMUSP.
Supervisora da Residência Médica em Hepatologia do Instituto Hospital de Base do Distrito Federal (DF). Hepatologista do Hospital de Base do DF.
A osteodistrofia hepática é o termo utilizado para descrever a presença de osteoporose, osteopenia e osteomalácia em pacientes com doença hepática crônica.1 Nos hepatopatas crônicos, a prevalência de osteoporose varia de 20% a 60%.2-4 Essa variação na prevalência reflete a grande heterogeneidade na seleção paciente entre os diferentes estudos, onde a análise da massa óssea é realizada em cirróticos, com variáveis graus de disfunção hepática, pré-cirróticos, transplantados de fígado e portadores de colestase.2
A cirrose confere um risco maior para a perda óssea independente da sua etiologia e, os guidelines europeu e americano1,5 contemplam a cirrose como um fator de risco para osteoporose e osteopenia, embora esta ainda não seja uma realidade no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas de Osteoporose do nosso país.6 Cerca de 20% dos pacientes com cirrose de etiologia viral apresentam osteoporose3. Essa prevalência é ainda maior em pacientes com Colangite Biliar Primária (CBP). Sabe-se que a colestase crônica é causa de perda óssea em pacientes com CBP e essa perda óssea na colestase pode ser mais acentuada em pacientes com com doença hepática avançada.7
A prevenção de fraturas osteoporóticas deve ser o objetivo de todos os especialistas que acompanham pacientes com osteoporose. As fraturas osteoporóticas ocorrem em 13 a 21% dos pacientes com colestase crônica (CBP e Colangite Esclerosante Primária).8,9 Um fato relevante é que as fraturas podem acontecer tanto na osteopenia quanto na osteoporose e, o rastreio diagnóstico de fraturas osteoporóticas e prevenção destas precisa ser instituído também para cirróticos.10,11 A Organização Mundial de Saúde preconiza que a estimativa do risco de fraturas osteoporóticas deva ser feita mediante aplicação do instrumento FRAX, que é um instrumento de fácil aplicação baseado nas seguintes variáveis: idade, gênero, peso, altura, fraturas prévias no paciente ou nos pais destes, tabagismo atual, uso de glicocorticoides, artrite reumatoide, osteoporose secundária, consumo de álcool e valores da densitometria óssea.11
O objetivo do trabalho intitulado Hip fracture risk in patients with alcoholic cirrhosis: A population-based study using English and Danish data foi conhecer o risco de fratura de quadril em pacientes com cirrose de etiologia alcoólica para possibilitar a implementação de estratégias de prevenção de fraturas nestes pacientes. Os autores ressaltam que nesses pacientes o risco de fratura poderia estar aumentado pelo efeito direto do uso doses elevadas de álcool ou pela presença de encefalopatia hepática mínima, que poderia predispor ao risco de queda. Os autores também chamam a atenção para o impacto negativo que a fratura de quadril tem na qualidade e na expectativa de vida do paciente, uma vez que a mortalidade em 30 dias desses pacientes é superior a 10%.
Esse estudo de base populacional analisou dados secundários obtidos do banco de dados do Clinical Practice Research Datalink e Hospital Episode Statistic na Inglatera e do Danish National Patient Registry na Dinamarca. A população do estudo envolveu adultos (> 18 anos) que tiveram diagnóstico inicial de cirrose de etiologia alcoólica entre 1997 e 2014. Os pacientes foram identificados pelo código internacional de doenças inserido no banco de dados analisado. Para cada paciente com diagnóstico de cirrose de etiologia alcoólica incluído no estudo foram incluídos até 10 controles sem cirrose ou hipertensão portal pareados por sexo e idade, obtidos do mesmo banco de dados. Cada paciente e controle foram acompanhados desde a data índice até o diagnóstico de uma fratura de quadril, data da morte ou final de follow-up (31/12/2014). O desfecho primário foi o tempo para o primeiro diagnóstico de qualquer fratura de quadril, identificado pelo registro do código internacional de doenças (CID-10).
Na coorte inglesa foram incluídos 3.706 pacientes com cirrose alcoólica e 36.859 controles. A mediana da idade ao diagnóstico da cirrose foi de 56 anos. Na coorte dinamarquesa, foram incluídos 17.779 pacientes cirróticos (mediana da idade de 57 anos) e 80.815 controles populacionais. O achado de osteoporose ocorreu em 6,3% e 3,1% de pacientes ingleses e dinamarqueses, respectivamente. Usando resultados das duas coortes, os autores demonstraram uma taxa maior de fratura de quadril entre portadores de cirrose alcoólica de 5 a 10 vezes em comparação com a população em geral. Na população inglesa ocorreram 485 fraturas de quadril (108 fraturas em portadores de cirrose versus 377 fraturas em controles). A taxa absoluta de fratura de quadril para pacientes com cirrose foi de 11,4 fraturas (IC 95%: 9,4-13,8) por 1000 pessoas por ano. Nos controles essa taxa foi muito menor, 2,2 fraturas (IC 95%: 2,0-2,5) por 1000 pessoas por ano. Na população dinamarquesa ocorreram 2.491 fraturas (977 nos pacientes cirróticos versus 1.514 nos controles). A taxa absoluta de fratura de quadril para pacientes cirróticos dinamarqueses também foi maior, 16.0 fraturas (IC 95%: 15.0-17.0) por 1000 pessoas por ano, quando comparada os controles não cirróticos que apresentaram taxa de 2,2 fraturas (IC 95% 2,1-2,3) por 1000 pessoas por ano. Foi um dado relevante nos dois países, o maior risco de fratura de quadril pacientes jovens cirróticos em comparação com os controles jovens não cirróticos.
Após 1 ano de acompanhamento, o risco cumulativo de fratura de quadril em pacientes com cirrose foi 1,0% (IC 95%: 0,7-1,4) em comparação com 0,2% (IC 95%: 0,1-0,3) nos controles na população inglesa e de 1,4% (IC 95%: 1,2-1,6) versus 0,2% (IC 95%: 0,1-0,2) na população dinamarquesa. Com 5 anos, o risco cumulativo de fratura foi maior no grupo cirrose do que no grupo controles com 2,9% (IC 95%: 2,3-3,6) vs. 0,8% (IC 95%: 0,7-0,9) na população inglesa e de 4,6% (IC 95%: 4,3-5,0) e 0,9% (IC 95%: 0,8-0,9), na coorte dinamarquesa. Nos dois países, o risco de fratura de quadril em 5 anos aumentou com o aumento da idade e foi maior para cada faixa etária de pacientes com cirrose do que para os controles pareados. Nesse estudo não foram encontradas variações no risco de fratura de quadril pela gravidade da doença hepática.
A mortalidade, 30 dias após a fratura de quadril, foi de 11,1% (12/108) nos pacientes com cirrose da coorte inglesa e de 10,0% (98/977) nos pacientes cirróticos da coorte dinamarquesa em comparação com 5,0% (Inglaterra) e 6,6%(Dinamarca) para os controles, perfazendo mortalidade 30 dias pós-fratura entre 2 a 3 vezes maior dentre cirróticos em comparação com a população de controles.
O estudo mostrou que a fratura de quadril é frequente no contexto da cirrose alcoólica e que agrega gravidade a essa doença, uma vez que a mortalidade 30 dias após a ocorrência de fratura de quadril é duas vezes maior nos cirróticos. Existem estratégias eficazes para prevenção e tratamento de osteoporose na cirrose e, portanto é preciso indicar o rastreio de osteoporose em pacientes com cirrose, independente da etiologia e da idade do paciente, especialmente na presença de fator de risco adicional para a osteoporose como tabagismo, etilismo e baixo índice de massa corpórea.12
REFERÊNCIAS
1- Merli M. et al. EASL Clinical Practice Guidelines on Nutrition in Chronic Liver Disease. J. Hepatol 2019;70:172-193.
2- Bandgar T, Lila A, Shivane V, Lila A, Shah N. Chronic liver disease and skeletal health (hepatic osteodystrophy). J Postgrad Med 2012; 58:103-106.
3- Goel V, Kar P. Hepatic osteodystrophy. Trop Gastroenterol 2010;31:820-86.
4 - Auletta M, Nuzzo V, Esposito A. Osteoporosis in men: A study in patients affected by chronic non-advanced liver disease. Clin Casses Miner Bone Metab 2005; 2:25-28.
5- Leslie W, Bernstein C, Leboff M, American Gastroenterology Associantion Clinical Practice Commitee. AGA Technical Review on Osteoporosis in Hepatic Disorders. Gastroenterology 2003; 125: 941–966.
6- Ministério da Saúde. Secretária de Atenção a Saúde. Portaria nº 224 de 26 de março de 2014. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Osteoporose.
7- Fan J, Wang Q, Sun L. Association between primary biliary cholangitis and osteoporosis: meta-analysis. Clin Rheumatol 2017; 36: 2565-2571.
8- Guañabens N. Osteoporosis. Med Clin, 102(9), 346–53 (1994).
9- Guañabens N, Parés A, Ros I. et al. Severity of cholestasis and advanced histological stage but not menopausal status are the major risk factors for osteoporosis in primary biliary cirrhosis. J Hepatol 2005; 42:573–577.
10- Bredella M, Torriani M, Ghomi H. et al. Determinants of bone mineral density in obese premenopausal women. Bone 2011; 48:748-154.
11- Souza M. Diagnóstico e tratamento da osteoporose. Rev Bras Ortop 2010; 45:220-229.
12- Bittencourt P, Cançado E, Couto C, Levy C et al. Brazilian Society of Hepatology recommendations for the diagnosis and management of autoimune diseases of the liver. Arq. Gastroenterol 2015: 52:15-46.