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Cost Effectiveness of Early Insertion of Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunts for Recurrent Ascites
Comentários sobre o artigo Cost Effectiveness of Early Insertion of Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunts for Recurrent Ascites. Nicole T. Shen, Yecheskel Schneider, Stephen E. Congly, Russell E. Rosenblatt, Yunseok Namn,k Brett E. Fortune, Arun Jesudian, and Robert S. Brown Jr. Clinical Gastroenterology and Hepatology 2018;16:1503–1510
Dr. Carlos Terra
Dr. Guilherme Rezende
Ascite é a causa mais comum de descompensação da cirrose ocorrendo em cerca de 5-10% dos pacientes com cirrose compensada por ano (1). A ocorrência de ascite empobrece o prognóstico dos pacientes com cirrose, determinando sobrevida de 5 anos de aproximadamente 30% comparado com 80% nos pacientes com cirrose compensada (2). Aproximadamente 5-10% dos pacientes com cirrose e ascite não responderão ao tratamento clássico, que consiste em dieta hipossódica e administração de diuréticos e serão classificados como portadores de ascite refratária, uma condição reconhecidamente implicada com mau prognóstico, com uma mediana de sobrevida de cerca de 6 meses (3) .
Classicamente, o tratamento de primeira linha para ascite refratária consiste na realização seriada de paracenteses totais com reposição de albumina (PT + A). Esse tratamento, embora eficaz na remoção do líquido ascítico, não interfere em qualquer etapa da fisiopatologia da formação da ascite e, por esse motivo, se associa com recorrência praticamente universal da ascite sem alterar a sobrevida dos pacientes (4). Outra ferramenta útil no tratamento dos pacientes com ascite refratária é a colocação de próteses que comunicam um ramo intra-hepático da veia porta com a veia hepática. São chamados shunts portossistêmicos intra-hepáticos transjugulares (TIPS).
O implante de TIPS descomprime a veia porta determinando melhora na volemia efetiva e na função renal, com aumento na excreção renal de sódio. Os primeiros ensaios clínicos que compararam TIPS não recoberto e paracentese total no tratamento da ascite refratária concluíram que o TIPS era superior no controle da ascite porém, as custas de uma maior incidência de encefalopatia hepática e com resultados conflitantes no que diz respeito a sobrevida (5-9). Recentemente alguns estudos com TIPS recoberto com politetrafluoroetileno (TIPS-PTFE) têm confirmado sua efetividade no controle da ascite com promissores resultados no que diz respeito a melhor sobrevida (10, 11). Além disso, uma análise econômica entre os dois tratamentos (TIPS e paracentese) não estava disponível na literatura até recentemente.
O provimento adequado de cuidados de saúde na economia real, onde os recursos financeiros são necessariamente finitos, exige que se avalie qual conduta médica traz o maior benefício para o paciente com o menor custo para a sociedade, dentro dos limites éticos aceitáveis. Neste sentido, a noção de como são realizadas análises econômicas de cuidados em saúde se tornou essencial para o julgamento clínico moderno. Quanto mais não seja para que se possa avaliar criticamente estudos cuja metodologia ou resultados interessem mais às fontes pagadoras do que aos pacientes.
Estudos de economia em saúde incluem essencialmente três formas de análise: custo-benefício, custo-efetividade e custo-utilidade. Na análise de custo-benefício, tanto os custos quanto os desfechos são apresentados sob a forma de valor monetário, utilizando-se uma linguagem familiar para economistas, mas que pode levar a conclusões moralmente inaceitáveis, como a precificação da vida humana e de suas condições mórbidas. Por este motivo, é raramente vista em estudos de economia em saúde. A análise de custo-efetividade, por sua vez, utiliza como desfecho o risco percentual de determinado evento, o que permite a utilização direta dos dados de estudos originais e epidemiológicos, mas pode não ser aplicável quando o desfecho avaliado tem características subjetivas, como melhora da dor ou a sensação de bem-estar. Por fim, a análise de custo-utilidade atribui arbitrariamente, mas de maneira lógica, um valor entre 0 e 1 para cada condição de saúde em avaliação, sendo 0 o óbito e 1 o estado de saúde perfeita. Dois parâmetros comumente utilizados neste tipo de análise são os anos de vida salvos ajustados pela qualidade de vida (QALY, do inglês quality-adjusted life year), que associa em um mesmo índice o estado de saúde e a duração deste estado, e a razão de custo-efetividade adicional (ICER, do inglês incremental cost-effectiveness ratio), na qual a diferença de preço entre as duas intervenções que se deseja comparar é dividida pela diferença entre os QALY consequentes a cada intervenção (12).
Com o objetivo de contribuir para a discussão sobre a indicação de instalação do TIPS em pacientes cirróticos com ascite recorrente, pesquisadores da Faculdade de Medicina e do Centro Médico de Weill Cornell (Nova York, EUA), da Universidade da Pensilvânia (Filadélfia, EUA) e da Universidade de Calgari (Alberta, Canadá) colaboraram em um estudo de economia em saúde (13). Os autores tomaram como base um ensaio clínico randomizado multicêntrico francês recentemente publicado (11) no qual foram selecionados 62 pacientes com cirrose e ascite recorrente conforme definição proposta pelo Clube Internacional de Ascite. Os pacientes foram aleatorizados para colocação de TIPS-PTFE ou para PT + A. Os autores concluíram ser o TIPS superior à paracentese, tomando-se como desfecho principal a sobrevida livre de transplante hepático ao longo dos 12 meses subsequentes (93% vs. 52%, p= ,003). Encontraram ainda um risco maior de sangramento relacionado à hipertensão porta no grupo paracentese (0 vs. 18%, p< ,01) e risco semelhante de desenvolvimento de encefalopatia hepática nos dois grupos (35%).
Utilizando primariamente estes resultados, Shen et al (13) desenvolveram um complexo modelo de Markov para investigar a custo-efetividade/utilidade da colocação do TIPS-PTFE nos pacientes com perfil semelhante aquele estudado por Bureau et al (11). Para construção deste modelo matemático incluíram informações obtidas em publicações que descrevessem a história natural da cirrose hepática, sua letalidade e principalmente as taxa de desenvolvimento de suas complicações. Finalmente investigaram os custos dos procedimentos envolvidos neste tipo de paciente, como internações, paracenteses e transplante hepático, no mercado de saúde dos Estados Unidos da América.
Ao comparar a colocação de TIPS-PTFE com a manutenção das sessões de PT + A, estabeleceram como desfechos de interesse o óbito, o transplante hepático, a presença de ascite e as complicações mais comumente relacionadas a repetidas paracenteses, como infecção do líquido ascítico e sangramento local, além de hemorragia por hipertensão porta e desenvolvimento de encefalopatia hepática. Os valores financeiros utilizados para estruturação do modelo econômico foram aqueles praticados no mercado de saúde do país e acessíveis à consulta pública (<http://www.hcup-us.ahrq.gov/nisoverview.jsp>, <http://www.micromedexsolutions.com>, <https://www.cms.gov/>), assumindo-se arbitrariamente que o agente pagador do serviço estaria disposto a gastar até US$ 100.000,00 por QALY (13).
O estudo demonstrou que, comparado à PT + A, o TIPS-PTFE gerou um aumento de custo da ordem de US$3.590 por paciente por ano. Por outro lado, a estratégia que utilizou o TIPS-PTFE se acompanhou de melhor QALY em relação à PT + A (0,73 vs. 0,65, respectivamente) e a razão de custo-efetividade adicional (ICER) foi de US$ 46.310/QALY em favor do TIPS-PTFE, menos da metade do teto estabelecido como aceitável (13).
Vale destacar que modificações nos pressupostos do modelo desenvolvido pelos autores poderiam levar a resultados distintos. Como exemplo, caso o custo de colocação do TIPS excedesse US$ 21.610,00, aquele do transplante hepático fosse inferior a US$ 61.400,00 ou houvesse necessidade de menos de 5 paracenteses por ano em média, a estratégia do TIPS-PTFE deixaria de ser custo-efetiva. Outros pressupostos bastante arbitrários que compõem o modelo são denominados “utilidades”, como a atribuição dos valores 0,80 e de 0,60 para os estados de saúde cirrose compensada e descompensada, respectivamente. De forma simplificada, isto significa aceitar que estas duas condições mórbidas ensejam uma redução de 20% e 40% na qualidade de vida, nessa ordem, o que é inteiramente subjetivo. Grandes variações nestes valores também interfeririam nos resultados (13).
Os autores reconhecem algumas limitações do estudo. A primeira diz respeito ao fato de que os artigos utilizados para construção do modelo, incluíram pacientes bastante selecionados, podendo não representar a maioria dos pacientes com diagnóstico de ascite de difícil controle clínico. Além disso, alguns deles se limitam a acompanhar o primeiro ano após a colocação do TIPS-PTFE, não permitindo extrapolações quanto aos resultados a longo prazo. Com relação a validade do TIPS precoce na ascite recorrente, um único ensaio clínico foi utilizado como referência, não podendo ser aplicado a toda a população (11). Mais do que uma crítica aos autores, esse fato advém da pobreza de dados existente hoje na literatura médica sobre TIPS recoberto no tratamento da ascite. Portanto, deve-se salientar que os resultados de custo-efetividade obtidos nesse estudo podem não ser adequados em outras populações. Na análise de sensibilidade probabilística, quando o modelo de Markov desenvolvido pelos autores foi submetido a milhares de simulações, o TIPS-PTFE se mostrou a estratégia ideal em aproximadamente 60% das repetições, levantando alguma dúvida sobre a robustez dos resultados. Por fim, pacientes que mantinham ascite leve com diuréticos e dieta hipossódica, não preenchendo critérios para realização de paracentese, foram considerados como tendo cirrose compensada, embora já sofram, na prática, limitações e restrições (13).
Em conclusão, os últimos estudos sobre o tratamento da ascite recorrente em pacientes com cirrose, apontam importante papel do TIPS recoberto com PTFE como forma de tratar a ascite e melhorar a sobrevida, com incidência semelhante de encefalopatia hepática quando comparado à PT + A (10, 11, 14). O estudo de avaliação econômica de Shen et al (13) reforça essa tendência trazendo dados favoráveis ao uso do TIPS sob uma perspectiva da relação custo-efetividade e custo-utilidade, concluindo ser a estratégia de colocação precoce de TIPS-PTFE em pacientes com ascite recorrente superior no primeiro ano à simples manutenção das sessões de PT + A. Estudos deste tipo são necessários e devem ser estimulados em nosso país, utilizando dados locais relativos ao custo dos procedimentos e aos seus resultados, para que possamos apoiar nossas decisões clínicas em informações científicas sólidas e validadas para nossa população. Mesmo assim, deve-se destacar que não há qualquer evidência científica favorecendo a paracentese em detrimento do uso do TIPS-PTFE nestes pacientes, reforçando o conceito de que a terapia mais agressiva e de maior custo inicial parece atingir melhores resultados e ainda ser economicamente vantajosa. Por hora, o chamado TIPS recoberto com PTFE precoce se configura a estratégia clínica mais acertada e merece o devido suporte dos agentes envolvidos no financiamento e nos gastos em saúde.
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