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NACSELD acute-on-chronic liver failure (NACSELD-ACLF) score predicts 30-day survival in hospitalized patients with cirrhosis
Artigo Comentado: NACSELD acute-on-chronic liver failure (NACSELD-ACLF) score predicts 30-day survival in hospitalized patients with cirrhosis. (Hepatology. 2018 Jan 8. doi: 10.1002/hep.29773)
Leonardo de Lucca Schiavon
Residência Médica e Doutorado em Gastroenterologia pela UNIFESP/EPM
Hepatologista pela Sociedade Brasileira de Hepatologia
Professor Adjunto de Gastroenterologia da Universidade Federal de Santa Catarina
Coordenador do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do HU-UFSC
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A insuficiência hepática crônica agudizada, ou “Acute-on-Chronic Liver Failure” (ACLF), é uma entidade clínica que ocorre em portadores de doenças hepáticas crônicas e é caracterizada por elevada mortalidade no curto prazo por falência de múltiplos órgãos (1). De acordo com a proposta de definição da “World Gastroenterology Organisation”, ACLF pode ser classificada em três tipos de acordo com a situação da doença de base: tipo A –portadores de doenças hepáticas crônicas sem cirrose; tipo B – cirrose previamente compensada; tipo C – cirrose previamente descompensada (2). No caso de ACLF tipo A, o fator precipitante é um evento hepático, como por exemplo, uma agudização de hepatite B em um portador crônico, ou uma lesão hepática por droga em pacientes com outras doenças hepáticas de base. ACLF do tipo B ou C pode apresentar fator precipitante hepático ou extra-hepático, como infecções bacterianas, cirurgias, traumas.
O estudo “NACSELD acute-on-chronic liver failure (NACSELD-ACLF) score predicts 30-day survival in hospitalized patients with cirrhosis” de O'Leary et al. publicado no mês de janeiro no periódico “Hepatology” teve como objetivo principal validar a definição de ACLF do consórcio norte-americano (North American Consortium for the Study of End-Stage Liver Disease) em pacientes cirróticos hospitalizados (3). A definição NACSELD de ACLF (NACSELD-ACLF) foi proposta originalmente em um estudo multicêntrico do mesmo grupo que avaliou 507 pacientes cirróticos hospitalizados com infecção (4). Os critérios para definição de falências orgânicas foram os seguintes: 1) Falência cerebral – encefalopatia graus III ou IV; 2) Falência circulatória – PAM < 60 mmHg ou redução superior a 40 mmHg na PA sistólica basal a despeito de ressuscitação volêmica; 3) Falência respiratória – necessidade de ventilação mecânica; 4) Falência renal – necessidade de diálise. Foram considerados 14 centros e incluídos 2675 pacientes (1079 pacientes infectados e 1595 sem infecção na admissão ou durante a internação). NACSELD-ACLF, definido como duas ou mais falências orgânicas, foi observado em 10% da amostra, com sobrevida global em 30 dias de 59% entre aqueles com ACLF e 93% nos indivíduos sem ACLF. Ainda que ACLF tenha sido relacionada à mortalidade no geral, o impacto da presença de ACLF foi ainda maior nos casos de infecção, onde a sobrevida em 30 dias foi de 90% na ausência de ACLF e apenas 52% naqueles com ACLF. NACSELD-ACLF foi preditor independente de sobrevida na análise multivariada tanto na coorte de pacientes infectados quanto não infectados. O modelo final da análise de regressão logística para todos os pacientes (infectados ou não) incluiu presença de infecção, leucócitos totais, idade, MELD, albumina e NACSELD-ACLF. Este modelo, denominado “NACSELD-ACLF score” mostrou uma estatística-c (interpretação semelhante à área sob a curva em estudos de prognóstico) de 0,81 na coorte de treinamento e 0,85 na coorte de validação. Finalmente, os autores compararam o desempenho prognóstico do NACSELD-ACLF score ao modelo da “Asian Pacific Association for the Study of the Liver” (APASL) e o modelo NACSELD mostrou estatística-c numericamente maior que o modelo APASL (0,82 vs. 0,78), ainda que sem diferença estatística.
Um dos principais pontos positivos do estudo de O'Leary et al. é a validação da definição NACSELD-ACLF em uma grande coorte de pacientes cirróticos, não apenas infectados como foi feito no primeiro estudo que propôs tal definição (3, 4). Esses dados confirmam o impacto da disfunção de órgãos na evolução dos pacientes cirróticos hospitalizados e fornece uma nova ferramenta prognóstica denominada NACSELD-ACLF score que poderá ser utilizada na prática para predizer o risco de óbito. Os autores citam na discussão que um aplicativo para cálculo do referido escore estará disponível em breve para “download”. Além da identificação dos pacientes mais graves e da possibilidade de investigação de propostas terapêuticas distintas para esses indivíduos, uma das principais aplicações para as definições de ACLF atualmente disponíveis é o auxílio na determinação de futilidade terapêutica. Pacientes não candidatos a transplante são frequentemente submetidos a terapias de suporte prolongadas que não estão associadas à benefício significativo em termos de sobrevida ou de qualidade de vida. Entretanto, até o momento, os dados disponíveis sobre futilidade em portadores de doença hepática avançada eram escassos e pouco objetivos, e os modelos prognósticos habitualmente empregados nesses pacientes apresentam desempenho inadequado em situação de falências orgânicas avançadas. Ainda que no artigo publicado por O'Leary et al. pouca informação prática possa ser retirada em termos de identificação de futilidade terapêutica, espera-se que a ferramenta para cálculo do NACSELD-ACLF score possa oferecer resultados objetivos que auxiliem na prática diária. Ressalta-se que a discussão sobre futilidade é complexa e envolve mais do que uma mera avaliação prognóstica, cada caso deve ser avaliado individualmente e na ausência de contraindicações ao transplante, ainda não existem limites bem definidos para estabelecimento de futilidade.
Além dos critérios APASL de ACLF, que foram abordados no estudo de O'Leary et al., uma das definições de ACLF mais empregadas atualmente é a do consórcio EASL-CLIF, derivada do estudo CANONIC (5). Essa definição utiliza critérios diferentes para falências orgânicas e demonstrou ser fator prognóstico importante e validado em vários outros estudos. Além disso, uma proposta de algoritmo que aborda futilidade terapêutica tendo como base as definições do consórcio EASL-CLIF também foi publicada (6). No estudo de O'Leary et al. não foi possível realizar uma comparação direta NACSELD-ACLF score com os escores derivados do estudo CANONIC, como o CLIF-SOFA ou o CLIF-C ACLF score (7), pois na coorte norte-americana dados de gasometria ou oximetria não estavam disponíveis (3). Ainda assim, alguns pontos de distinção entre as duas definições podem ser identificados: no estudo de O'Leary et al. apenas 10% dos pacientes hospitalizados preenchiam critérios para ACLF, enquanto ACLF conforme a definição EASL-CLIF parece ser uma situação bem mais frequente, acometendo cerca de um quarto dos cirróticos hospitalizados (5, 8). O fato de usar falências orgânicas avançadas como critérios diagnósticos torna a definição NACSELD particularmente útil na determinação de futilidade terapêutica, mas parece ser menos interessante como forma de identificação precoce de gravidade. Desta forma, é possível que essas ferramentas possam ser utilizadas em momentos distintos ou de forma complementar. Ainda assim, um estudo prospectivo comparando as duas estratégias é importante para que se possa determinar a melhor definição para uso prático.
Em resumo, o estudo de O'Leary et al. representa um importante avanço na investigação do impacto das disfunções orgânicas no prognóstico dos pacientes hospitalizados por complicações da cirrose. O modelo derivado desta coorte, denominado NACSELD-ACLF score, pode representar uma ferramenta útil na abordagem terapêutica desses pacientes. Na ausência de uma comparação direta até o momento, não é possível determinar qual a melhor definição de ACLF. As definições NACSELD e EASL-CLIF apresentam vantagens e limitações, e sua utilização de forma complementar poderá ser útil na prática clínica.
Bibliografia recomendada: 1. Jalan R, Gines P, Olson JC, Mookerjee RP, Moreau R, Garcia-Tsao G, Arroyo V, et al. Acute-on chronic liver failure. J Hepatol 2012;57:1336-1348.
2. Jalan R, Yurdaydin C, Bajaj JS, Acharya SK, Arroyo V, Lin HC, Gines P, et al. Toward an improved definition of acute-on-chronic liver failure. Gastroenterology 2014;147:4-10.
3. O'Leary JG, Reddy KR, Garcia-Tsao G, Biggins SW, Wong F, Fallon MB, Subramanian RM, et al. NACSELD acute-on-chronic liver failure (NACSELD-ACLF) score predicts 30-day survival in hospitalized patients with cirrhosis. Hepatology 2018.
4. Bajaj JS, O'Leary JG, Reddy KR, Wong F, Biggins SW, Patton H, Fallon MB, et al. Survival in infection-related acute-on-chronic liver failure is defined by extrahepatic organ failures. Hepatology 2014;60:250-256.
5. Moreau R, Jalan R, Gines P, Pavesi M, Angeli P, Cordoba J, Durand F, et al. Acute-on-chronic liver failure is a distinct syndrome that develops in patients with acute decompensation of cirrhosis. Gastroenterology 2013;144:1426-1437, 1437 e1421-1429.
6. Gustot T, Fernandez J, Garcia E, Morando F, Caraceni P, Alessandria C, Laleman W, et al. Clinical Course of acute-on-chronic liver failure syndrome and effects on prognosis. Hepatology 2015;62:243-252.
7. Jalan R, Saliba F, Pavesi M, Amoros A, Moreau R, Gines P, Levesque E, et al. Development and validation of a prognostic score to predict mortality in patients with acute-on-chronic liver failure. J Hepatol 2014;61:1038-1047.
8. Silva PE, Fayad L, Lazzarotto C, Ronsoni MF, Bazzo ML, Colombo BS, Dantas-Correa EB, et al. Single-centre validation of the EASL-CLIF consortium definition of acute-on-chronic liver failure and CLIF-SOFA for prediction of mortality in cirrhosis. Liver Int 2015;35:1516-1523.